Não me entendam errado – ler não deve ser um sacrifício. Ao meu ver, a leitura é um dos poucos passatempos que mudam uma pessoa de dentro para fora. Exercitar-se pode ser ótimo para a saúde e até para o cérebro, e xadrez pode de fato torná-lo uma pessoa mais inteligente. A leitura, no entanto, expande sua visão do mundo, faz você questionar seus preconceitos, e pode levá-lo às lágrimas ou gargalhadas num simples virar de páginas. Eu diria que é um estilo de vida.
Sendo assim, quero compartilhar as seguintes dicas com vocês, inspiradas pelos meus 33 anos como leitora compulsiva. Ao correr os olhos por elas, você pode achar que está apenas lendo alguns clichês. Mas realmente experimente-os este ano e eu garanto que terá uma experiência transformadora.
1- Nunca fique preso a um gênero
Eu já conheci até escritores que só leem um tipo de livro. Por um lado, transformam-se em verdadeiros experts naquele gênero, coisa que fazem questão de mostrar. Por outro, acabam tendo uma visão limitadíssima sobre a literatura e tornam-se leitores pobres, por não terem muita base para comparação. Caso você tenha estreado sua jornada como leitor dentro de um gênero e tenha gostado tanto dele que tem medo de arriscar – ou não sabe por onde começar – há dois caminhos: o mais “radical” é migrar para algo totalmente fora da sua zona de conforto. Escolha uma biografia de uma celebridade da música, cinema ou política que você admira. Se isso parece “ah, biografia não, eu só quero ficção”, não tem problema, siga pelo segundo caminho: Escolha algo próximo do seu estilo. Ama eróticos? Dê uma chance a um romance histórico. Só lê fantasia? Tente um sci-fi clássico. Só lê horror? Beleza, chegou a hora de ler um noir.
2- A literatura não tem muitas regras (pense antes de falar besteira)
Às vezes eu leio coisas esquisitas, como pessoas reclamando de livros onde o assassino é revelado no meio da história ou personagens secundários que “não tiveram um final”, ou até que aquele thriller sangrento não teve "uma moral". Invariavelmente são comentários de leitores recentes, que acham que um livro policial é necessariamente um “whodunit”, que toda história é uma fábula que contém uma lição de moral ou que como numa novela da Globo, o autor tem obrigação de dar um “fim” para todo mundo; o policial Pablo, que apareceu em duas cenas, casou-se. Já a vizinha do protagonista, aquela que chamou a polícia, abriu um restaurante. Não, gente. Não! Uma história deve surpreender, sempre. É mais fácil você simplesmente dizer que não curtiu um livro, num nível pessoal, do que inventar motivos estranhos para não ter gostado. É OK não curtir uma leitura, isso só significa que aquele livro não é para você.
3- Ativismo é importante, mas tudo na vida tem limites
Esse é um assunto espinhento, mas é importante dizer que existe uma diferença fundamental entre a voz do escritor e a voz do personagem. E isso a gente precisa entender durante a leitura. Não é possível ter uma literatura rica e interessante sem tocar em temas delicados, sem expor o que a humanidade tem de melhor e de pior, e sem personagens que fazem e falam coisas repulsivas. Às vezes realmente sentimos que um livro carrega em si uma mensagem preconceituosa, até apologia a certos crimes. Mas nem sempre é o caso. Eu tenho personagens homofóbicos, mesmo sendo bissexual. Eu tenho personagens gordofóbicos mesmo tendo grandes problemas com a balança e compulsão alimentar. Eu tenho personagens machistas, mesmo sendo mulher e feminista. Não vamos mudar um problema social negando-se a falar sobre ele, negando que essas pessoas existem. Lolita não é uma apologia à pedofilia, por exemplo, e qualquer leitor maduro sabe disso. Precisamos saber interpretar antes de acender as tochas. E se você for perseguir um autor pelos seus preconceitos explícitos, tenha coragem de ir atrás dos famosos e das grandes editoras, também. Perseguir apenas os escritores independentes e iniciantes e passar pano para os consolidados é uma demonstração absurda de covardia.
4- Admita que clássicos muitas vezes são um tédio, mas leia alguns mesmo assim
Poucas pessoas têm coragem de dizer que alguns clássicos são chatos, por terem medo de parecer burras. Mas a verdade é que nosso cérebro não foi criado para a leitura – nós tivemos que ensiná-lo a ler (recomendo a leitura de O Cérebro no Mundo Digital da Marianne Wolf). E este mesmo cérebro está sofrendo mudanças no mundo atual. Estamos lendo mais do que nunca – cerca de 100.000 palavras por dia. No entanto, estamos recebendo essa leitura em pequenas doses: e-mails, mensagens de Whatsapp, artigos curtos na internet. Estamos desacostumando nossos cérebros a ler com profundidade e de forma imersiva. Por este motivo, mesmo você, que se gabou de ler Guerra e Paz na faculdade, pode achar difícil se dedicar a David Copperfield hoje em dia. Isso não é um reflexo da sua inteligência, e sim do seu estilo de vida e contexto histórico. Não tem problema, todos estamos no mesmo barco. Mesmo assim, os clássicos são leituras importantes, obras que sobreviveram ao tempo e que abordam o drama humano de maneira inesquecível. Se você não se sente tão à vontade assim, coloque na sua lista de leitura apenas 2 clássicos para ler este ano. Escolha-os pelo tema, e leia em doses homeopáticas, nem que seja apenas 20, 30 páginas por dia.
5- Aventure-se e descubra um mundo novo
Às vezes a gente se apega demais às resenhas e opiniões dos nossos Bookstagramers preferidos. É justamente por isso que, de vez em quando, você precisa se arriscar. Entre numa livraria e compre um livro de um autor que você nunca ouviu falar, um título que você desconhece completamente, ou uma capa horrível. Parece besteira, mas eu descobri um dos meus três escritores preferidos assim. Um dia eu caminhava por uma Saraiva sem saber exatamente o que eu queria ler. Me deparei com uma seção de livros com capas no mesmo estilo, intitulada “coleção negra”. Quer saber?, pensei, foda-se. E comprei o livro Jazz Branco, de um tal de James Ellroy. Devorei a leitura e Ellroy passou a ser um dos meus escritores mais lidos. Hoje há uma coleção de seus livros aqui em casa, e ele teve grande influência na minha escrita. A pior coisa que pode acontecer é você não gostar do livro, mas até isso faz parte de ser um leitor. Nenhuma obra é um desperdício porque ela só te ajuda a encontrar sua identidade como leitor.
Dica bônus: Invista num e-reader e adapte-se
Ser um bom leitor também significa estar aberto a mudanças e tentar se adaptar. Muita gente despreza o e-reader sem nunca ter lido em um, ou por confundir e-reader com celular e tablet. Um e-reader (Kindle, Kobo, Lev) foi feito para a leitura, quase sempre garante um preço mais acessível para o livro, economiza papel e espaço e permite que você carregue centenas de livros com você para onde for. Eu leio no Kindle há oito anos e foi um dos melhores investimentos que já fiz. Posso ler no escuro, sem sentir dor na vista, saber o significado de qualquer palavra com um toque na tela, consultar conceitos na internet, destacar meus trechos preferidos (que vão automaticamente para um arquivo separado para consultas futuras), saber quais trechos são mais queridos pelos leitores, aumentar e mudar a fonte, e tenho acesso a qualquer livro digitalizado disponível na Amazon em segundos. Como sou assinante do Kindle Unlimited, cerca de 60% dos livros que leio saem por um valor absurdamente baixo (o valor da assinatura mensal, dividido pela quantidade de livros que baixo, que dá menos de R$ 1 por livro). Além disso, a leitura é mais confortável, podendo ser feita em diversas posições e não exigindo duas mãos (eu leio correndo na esteira, cozinhando, etc). "Mas eu gosto do cheeeiroooo", "sou das antigas"... sendo bem sincera, eu acho legal mudar seu mindset e experimentar um novo jeito de ler. Eu levei 3 livros digitais para me adaptar. Hoje, só leio o impresso em emergências.
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