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Violência, filmes e a resposta brilhante de Tarantino às críticas

"Era Uma Vez...Em Hollywood" é o conto de fadas mais amargo de todos


1- Sim, eu vou te avisar na hora dos spoilers

2- Vai rolar um pouco de background antes de falar do filme, mas aguenta firme


Cláudia, você só assistiu Era Uma Vez em Hollywood agora?


É só sair um filme que tenha absolutamente qualquer coisa a ver com crimes notórios e serial killers, que eu começo a receber as mensagens: "você já assistiu (preencha com o filme do momento)?"


No span da minha vida entre meus 12 e 26 anos a resposta seria, inevitavelmente um "É claro, porra!", seguido por uma resenha tranquila, pessoal, despretensiosa. No entanto, meu estilo de vida atual não me permite ir ao cinema mais de 2 vezes por ano, o que causa um delay no consumo de obras cinematográficas que eu até gosto. Eu gosto de esperar a hype passar, para ver um filme de forma mais tranquila e com menos expectativas.


Já faz uns anos que estou cansada do Tarantino. Não é birra, nem modinha, é só um esgotamento mesmo, sendo que eu já tinha 13 anos quando Pulp Fiction explodiu e vi o filme tantas vezes que cheguei a decorar metade dos diálogos (sim, eu recito Ezequiel 25:17 em festas com a voz do Samuel L. Jackson). Eu vivi a vibe Tarantino desde o comecinho, consumindo filmes como True Romance, Assassinos por Natureza e Four Rooms assim que estivessem disponíveis para alugar em VHS. Não acho que o diretor e roteirista seja o um "gênio", mas é inegável que Quentin Tarantino é um homem que conseguiu transformar seu amor por filmes e música num conjunto de obras com voz própria, homenagens bonitas e originalidade divertida.



O fato é que eu amei Bastardos Inglórios e gosto muito de À Prova de Morte, mas com toda a história me too - Tarantino confessando que já sabia que Harvey Weinstein era um bosta - toda a história do acidente de carro e assédio a Uma Thurman - Os 8 Odiados e quinze mil bares e restaurantes temáticos, eu estava pronta para um respiro de Tarantino. Por isso, foi com o coração meio cauteloso que decidi ver Era Uma Vez em Hollywood.


Eu não apenas amei o filme, como fiquei emocionadíssima com ele. Para entender minha reação, é preciso lembrar que eu respiro serial killers e que a história do massacre em Cielo Drive e o assassinato de Sharon Tate e seus amigos foi um evento que eu precisei esmiuçar em minhas pesquisas e que sempre me afetou muito. Em outras palavras: sou sensível a essa história e sempre odiei o homem que algumas pessoas ainda querem idolatrar - Charles Manson. Eu receava que o filme de Tarantino fosse apenas uma desculpa para mostrar a violência absurda daquela noite, sem me oferecer nenhum tipo de recompensa. Lembrando que diCaprio, Pitt e Robbie são boas iscas, mas não o suficiente para me fazer querer testemunhar na tela a história dos assassinatos que já tinham passado pela minha cabeça pelo menos mil vezes nos últimos 15 anos.




Violência nos filmes gera violência na vida real?


Essa é uma pergunta que gerou tantos debates e estudos que seria de extrema arrogância da minha parte tentar responder, além de um desperdício do seu tempo. A questão aqui é que Quentin Tarantino foi massacrado por décadas pelas suas obras sobre pessoas violentas, e acusado por diversas vezes de incitar violência, principalmente entre jovens. Eu consigo me identificar, afinal, algumas respostas aos meus livros já foram bem parecidas. Não vou colar os prints aqui, mas os reviews podem ser encontrados na web. Muitos seguem a linha "exagerou na violência", "violência desnecessária", "deveria conter avisos de gatilho" (concordo), "desencadeou minha ansiedade/depressão" e um inbox que dizia "fui parar no pronto socorro". Minha sorte é que eu não sou tão famosa quanto Tarantino (ufa!), então acabo apanhando muito menos que ele.


Era Uma Vez em Hollywood é um conto de fadas agridoce e estranhamente belo


Todo artista sabe que não existe melhor resposta às críticas do que um trabalho bem-feito. Confesso que até os últimos 20 minutos de Era Uma Vez em Hollywood eu não sabia exatamente o que ele estava fazendo. Não havia pontos de virada na trama. Na verdade, nem havia muita trama. A narrativa era linear, contida, calma, de uma segurança que me fez estremecer, pensando quando ele começar, fodeu, vai voar sangue para tudo quanto é lado. Em alguns momentos a tensão escalava de uma maneira tão calculada que eu chegava a prender o fôlego. Então eu respirava, sorria e pensava: "ué, ficou tudo bem com o Brad?"




Spoiler zone (não leia se você ainda não viu o filme)


Para quem conhece a história da noite Helter Skelter, em que quatro membros da família de Manson entraram na casa de Roman Polanski e assassinaram Sharon Tate (grávida de 8 meses), Jay Sebring, Wojciech Frykowski e Abigail Folger, o filme é um grande build-up até aquela noite. A gente sabe o que vai ver, mas não quer ver. Então Tarantino redireciona a história, colocando os assassinos na casa errada - e dando para a plateia o final dos nossos sonhos. Há violência - muita. Mas assim como em Bastardos Inglórios, a violência que testemunhamos não chega nem perto da violência do que aconteceu na vida real. E aí fica a grande resposta de Tarantino: a ficção não vai conseguir chegar perto da realidade. A violência tão criticada nos filmes dele já foi cometida - de maneiras infinitamente mais cruéis e desumanas - na vida real, seja na Segunda Guerra Mundial, como em Bastardos Inglórios, na noite de 8 de Agosto de 1969 em Cielo Drive ou qualquer outro momento histórico em que provamos que seres humanos são indignos do planeta em que habitam.


No final do filme, tudo dá estranhamente certo - para as pessoas certas, claro - e nos possibilita imaginar um futuro para Sharon Tate e seu bebê e para as outras pessoas assassinadas de maneira tão besta naquela noite. O sorriso não dura muito - a realidade não deixa de orbitar nossos pensamentos por tempo o suficiente.


Mas e o discurso da família Manson sobre violência na TV?


Sabe aquele discurso no carro: "Vemos assassinatos na TV há anos, vamos matar quem nos ensinou a matar?". Vamos pensar nele com um pouco mais de informação?


Em primeiro lugar, se há um erro em Era Uma Vez em Hollywood, é a cena em que os membros da família estão vendo televisão juntos como se fosse algo corriqueiro na vida deles. A verdade é que Charles Manson não permitia TVs no rancho, assim como não permitia relógios, livros ou periódicos. Manson estava num processo de desconstrução da identidade de todos ali presentes, e o isolamento era parte essencial dessa missão. Os membros não eram mais chamados pelos seus nomes, andavam sem roupa, não tinham noção da passagem do tempo e participavam de orgias nas quais usavam drogas sem restrições.


Tarantino deixa claro que os assassinos estavam ali por um motivo - ordens de Manson - e que o discurso "vamos matar quem nos ensinou a matar" foi um improviso desesperado por algum tipo de validação do que estavam prestes a fazer - uma forma de racionalizar um ato irracional e de dar àquelas pessoas uma sensação de propósito. Na vida real, Manson olhou para Tex e disse: "Vá até lá e certifique-se que todos sujem as mãos". Ele sabia que as mulheres poderiam amarelar na hora de matar outra mulher, principalmente grávida. E sabia que se todos "sujassem as mãos", as chances de dedurarem os outros seria bem menor. Não se iludam: não havia nada de moral ou nobre nas cabeças de Tex Watson, Susan Atkins, Patricia Krenwinkel e Linda Kasabian na noite de 8 de agosto. O discurso de "nos vingar de quem nos ensinou a matar" é tão sem sentido quanto o discurso de que a violência só existe porque os filmes violentos existem.


Considerações finais (você pode ler sem medo de spoilers a partir daqui)


Era Uma Vez em Hollywood não vai fazer sentido algum para quem não conhece a história da noite Helter Skelter de Manson. É o conhecimento sobre a família Manson e a noite em Cielo Drive que gera toda a tensão da história, que faz com que cada momento seja carregado de expectativa e que o final tenha o impacto emocional que teve. Mas para quem conhece a história, o filme é quase uma redenção do diretor - uma obra madura arquitetada com a segurança de quem finalmente, na minha opinião, alcançou o status de um dos grandes diretores e roteiristas da história do cinema. Veja sem medo, mas como disse o ET Bilu, antes de ir, "busque conhecimento".


Ah, e ainda tem: a filha da Uma Thurman, a "B.B." de Kill Bill e meu amor, Timothy Olyphant.


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