Eu recentemente descobri que quem procura por “thrillers” no Google no Brasil, acaba colocando a palavra “psicológico” na busca. É um engano, mas um engano saudável, e vou explicar o motivo. Vamos conversar um pouco mais sobre o que nos atrai nos livros modernos de suspense.
O subgênero do momento é sem dúvidas o domestic noir, apelidado erroneamente no Brasil de thriller doméstico, e confundido, por muitos, com o thriller psicológico. Como já apontei no post sobre domestic noir, existem diferenças fundamentais entre esses dois subgêneros, e na verdade quem pesquisa por “thrillers psicológicos” está geralmente querendo ler um domestic noir: suspenses envolvendo segredos familiares, entes queridos desaparecidos, relacionamentos tóxicos, sujeira varrida para debaixo do tapete, e quase sempre, uma figura feminina realista e cheia de defeitos, por quem acabamos nos apaixonando.
O thriller, para os americanos, envolve necessariamente uma montanha russa emocional, viradas bruscas, plot twists e ação. E existem dezenas de tipos de thrillers: o thriller de tribunal, de conspiração, médico, criminal, de espionagem, erótico, sci-fi... O thriller psicológico é um desses tipos. São histórias onde a maior parte dos eventos da trama acontecem mais por meio de conflitos internos do que de ação. Muitas vezes, há a possibilidade de que o protagonista esteja ficando louco, ou acha que está. O leitor não sabe se pode confiar nas informações que recebe do protagonista. Quer um exemplo clássico de thriller psicológico? A Ilha do Medo, de Dennis Lehane. Nos filmes, temos os incríveis Cisne Negro, Corra! e Animais Noturnos.
A palavra thriller, no entanto, vende livros. Por isso, no Brasil, a prática de chamar todos os livros policiais, detetivescos, domésticos e psicológicos de thriller, infelizmente, é comum. As editoras não estão muito preocupadas em definir gêneros (o leitor não precisa estar, também, mas é sempre vantagem na hora de escolher sua próxima leitura), estão preocupadas em vender. Ninguém está errado. Mas cabe aos autores, como é meu caso, sempre oferecer informação sobre livros.
O domestic noir, por sua vez, tem uma trama que vai se desdobrando aos poucos, revelando a cada capítulo mais uma camada, mais um segredo dos habitantes de uma casa, lugar de trabalho ou cidade pequena. Embora haja reflexão, por parte dos personagens, os eventos da trama acontecem no mundo da trama, não apenas dentro deles. A mãe do domestic noir é Gillian Flynn, não por ter sido a primeira a escrever esse subgênero, mas por tê-lo consagrado com Garota Exemplar. Laura Lippman, Elizabeth Haynes e Julia Crouch são escritoras que se destacam nesta área.
Para compreender o nascimento e características do domestic noir e ter um panorama dos subgêneros da literatura policial, leia o post completo.
5 Livros para sua lista de 2020
1. “Flores Partidas”, da Karin Slaughter. A Karin é uma consagrada autora de thrillers policiais, mas um dos seus melhores livros migrou para o domestic noir. Flores Partidas tem todos os elementos que agradam leitores do subgênero: protagonistas falhas, mas por quem vale a pena torcer, segredos familiares, gente desaparecida, arquivos suspeitos em computadores pessoais, tensão crescente, homens que amamos odiar e um final cheio de adrenalina.
2. “Sunburn” de Laura Lippman (inglês apenas): minha pesquisa não encontrou este livro em português, o que me fez riscá-lo da lista na hora, pois mesmo em tempos como os nossos, em que o acesso ao idioma ficou um pouco mais fácil, muitas pessoas ainda não se sentem seguras em ler um livro de suspense em outro idioma. No entanto, eu gostei tanto desse livro que achei que não faria mal coloca-lo aqui. Na melhor das hipóteses, vai agradar quem consegue ler bem em inglês. Na pior, o leitor já vai conhecer o livro e quando ele for lançado aqui (esperança, esperança), já terá um público esperando. Sunburn (queimadura de sol) é um livro para quem está procurando um livro que insinua sexo, mas não descreve em detalhes, quem gosta de suspense, mas não está procurando nada explicitamente violento, e para quem gosta de duvidar se a protagonista é boazinha ou malvada. Ou seja, uma coisa light, mas que entretém com inteligência.
3. “Tampa”, de Alissa Nutting. Eu hesitei muito em colocar este livro na lista. Em primeiro lugar, porque o gênero é questionável. Por ter muitas das características de um domestic noir e ser mais próximo dele do que de qualquer outro gênero, achei que merecia um lugar aqui. Mas já vou avisando: tem que ter estômago forte. Tampa não tem a “violência” dos outros thrillers, mas tem conteúdo extremamente detalhado e explícito de abuso sexual – de meninos, nas mãos de uma mulher. Eu acho um livro importante, para quem não tem aversão ao tema, e a forma como as pessoas ficaram revoltadas com ele, em si, já é motivo para ler. Lembre-se: é forte! Eu avisei.
4. A Garota na Casa da Colina, de Larissa Brasil. Um suspense que se desdobra um pouco a cada capítulo, segredos familiares obscuros, uma personagem que pode estar vendo coisas que não deveria... sim, me parece que o romance de estreia da Larissa Brasil pela Monomito Editorial, mesmo que com elementos clássicos do romance gótico (a gloomy house, em especial), e com homenagens claras a Shirley Jackson, é um domestic noir/”thriller” psicológico. Uma obra que vale a pena ser lida, não apenas por ser nacional e escrita por uma mulher, mas pela sua qualidade. Ver na loja.
5. O Adulto, de Gillian Flynn. Embora O Adulto tenha um final que me pareceu apressado, percebi em minhas conversas que os leitores amaram a obra. A escrita da Gillian Flynn é real, atrevida e confiante, características que me fazem adorar seus livros, mesmo quando a história em si não me agrada (como foi o caso com Objetos Cortantes). Sou fã confessa de Garota Exemplar, e O Adulto é um excelente livro para colocar na lista por diversos motivos; é uma novela, portanto, uma leitura rápida, ideal para ser “encaixada” entre outros livros, faz homenagem ao clássico de Henry James, A Volta do Parafuso. E contém todos os ingredientes de um suspense psicológico. Vale muito a leitura.
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