Meus posts sobre o livro Fascínio Fatal ganharam bastante destaque na última semana, de amigos, colegas do mercado editorial e curiosos. Foram mais de mil visitas ao meu perfil do Instagram em três dias, e o post no Facebook alcançou mais de 3 mil pessoas. No meio de tudo isso, sei que há quem realmente leu o que foi escrito, interpretou e compreendeu, quer tenha se manifestado ou não. Há também as pessoas que leem e não conseguem interpretar e as que nem chegam a ler. Mesmo sendo poucos, ainda existem pessoas que, lendo todas as evidências do plágio, ainda defendem a autora. Outras nem fazem questão de entender o que aconteceu e deixam os comentários preguiçosos de praxe: “isso é recalque”, “tem muita gente sem noção no mundo” e a clássica “eu sei que você seria incapaz de fazer isso...”
Eu hesitei MUITO antes de expor o caso. Estou entre dois lançamentos – A Segunda Morte de Suellen Rocha e a Antologia Dark, livros nos quais trabalho há anos. Num momento como este, a última coisa que eu preciso é chamar atenção para um assunto delicado e desagradável como plágio. Até porque muita gente no Brasil ainda não entende o que é plágio e outras tomam partidos de forma puramente emocional – apesar de todas as evidências.
O que me ajudou a decidir foi a conversa com alguns amigos do mercado editorial. Muita gente sai impune, eles disseram, com esse tipo de coisa, justamente porque muita gente acha que plágio não existe. Por que respeitamos tanto a propriedade privada e não a intelectual? O que faz as pessoas acharem que elas podem gostar de uma história, pegar todas as cenas que quiserem e simplesmente reescrevê-la, apropriando-se do tom, linguagem, nomes de personagens, ambientação e situações idênticas? Nota-se (e isso precisa ser grifado porque no meu post original escrevi duas vezes e mesmo assim algumas pessoas fingiram não ver): Não estou falando que UMA dessas cenas iguais configura o plágio. Não estou falando que apenas o mesmo tema e ambientação configura o plágio. Não estou falando que apenas o nome (são 4 nomes) iguais configura o plágio. É o conjunto de tudo isso, de forma que qualquer pessoa que entenda o conceito de plágio e leia as duas obras vai ser incapaz de contestar a minha acusação.
No post do Facebook eu coloquei 23 cenas iguais. O que quero dizer com iguais? No mesmo contexto E com a repetição das mesmas palavras. Não vou colocar todas as cenas aqui porque elas ainda estão lá para quem quiser ler. Mas vou dar um exemplo:
Cena original de Um Martini com o Diabo:
Contexto: o mafioso principal do livro vai a um clube de strip-tease no qual verá uma dançarina pela qual irá se apaixonar.
O lugar ficou em silêncio, e então uma voz masculina entusiasmada falou por caixas de som: A mais nova atração do Sunset Peach... a rainha suprema... a mulher que vai assombrar os seus sonhos... Charlie ficou surpreso com a explosão de aplausos, assovios, e “Yeah!”, “Isso!” que tomou conta do lugar. Vinha todas as semanas há dois anos e nunca vira algo do tipo. Nossa musa, nossa deusa... a poderosaaaa... Rocket! (...) Era como um show de rock, ela era uma estrela, um ícone.
Cena de Fascínio Fatal
Contexto: o mafioso principal do livro vai a um clube de strip tease no qual verá uma dançarina pela qual irá se apaixonar.
“Uma voz alta ressoa do sistema de som do local quando a garçonete vem me trazer minha terceira dose de uísque. O timbre é animado, eufórico como se estivesse anunciando uma estrela de rock – com vocês, a maravilhosa suzy!”
Enfim, há uma compilação de coisas assim no Facebook. No post, eu deixei claro que só havia lido 25% da obra e já tinha encontrado aquelas (e outras, mais subjetivas) semelhanças. A autora usou essa informação contra mim, dizendo que eu só tinha lido um quarto da obra e portanto, não poderia julgar. Outras pessoas fizeram coro, ignorando que eu só tinha tido tempo de ler aqueles trechos (que consumiram uma noite inteira que eu passei tremendo de raiva e a beira de lágrimas). Se em um quarto da obra eu encontrei um livro tão parecido, o que encontraria no resto dela?
Quando conversei com a autora, ela negou veementemente o plágio, porque “a história é diferente”. Ela fez um vídeo no FB admitindo que sim, havia lido meu livro e gostado e sim, havia escolhido o mesmo tema, ambientação e nome da personagem Marion, mas que as semelhanças paravam aí. Quando as evidências começaram a acumular, ela retirou o livro da Amazon e Wattpad, mas manteve o discurso de que estava sendo acusada sem motivo. Eu falei com ela de um jeito bem incisivo: ela ia continuar com aquela palhaçada? E ela retirou os posts se defendendo. Ufa, pensei, achando que aquilo tinha acabado. Então fiz um post pedindo que todos respirassem e que deixassem a moça em paz. O que ela fez? Um post quase igual (sim, com as mesmas palavras). Ah, a ironia.
Mas... fora as mais de 23 (depois que li o resto do livro compilei muitas outras), quais são essas semelhanças?
Eis o plot de Um Martini com o Diabo:
Um rapaz se infiltra na máfia para se vingar do Don. Na jornada dele, ele se vê seduzido pelo mundo que a máfia oferece e deixa a vingança de lado. Ele se apaixona por uma mulher que vai usar, mais para a frente, usar a guerra entre duas famílias da máfia em Vegas para conseguir sua própria vingança pessoal.
Eis o plot de Fascínio Fatal:
Uma moça se infiltra numa família da máfia para se vingar do Don. Na jornada dela, ela se apaixona por ele e acaba deixando a vingança de lado. O jogo dela, desde o começo, é usar a guerra entre as duas famílias da máfia em Vegas para conseguir o que quer.
O argumento principal da autora é que esses elementos são comuns em livros de máfia. Sim, poderia-se pegar vários livros de mafiosos e cada um deles teria uma ou duas semelhanças com outros livros do mesmo tema. Ela só se esqueceu de que estou falando das semelhanças entre um livro dela e apenas um outro. Que, além das cenas que eu não canso de mencionar, porque são tão explícitas que me deixam chocada até agora, há outras, muitas delas raríssimas, se não inéditas, em outros livros sobre a máfia. Eis uma lista de pontos específicos:
A mesma premissa (infiltrar-se para se vingar e se “apaixonar” pelo Don)
Os nomes de personagens: Marion, Vittorio, Steve e Antonio (pelo menos o Vinny foi substituído por Willy)
O grande aliado do protagonista é um agente do FBI infiltrado na máfia
O don herdou um hotel e cassino do tio/pai, que se chama Vittorio
O apelido do don é Diabo
A protagonista do sexo feminino se chama Marion, uma mulher loira e bonita, que se casa com o Don porque a máfia o pressiona para ter uma esposa e herdeiros
O Don se apaixona por uma stripper ao vê-la dançar, de cara já agenda uma hora com ela, no recinto há quartos para programas
Um dos pontos da trama é a interceptação de uma carga de drogas num caminhão. Num dos livros (FF) quem intercepta é o FBI, em UMCOD é o DEA
A mulher se vinga de um dos seus inimigos ao coloca-lo, nu e num galpão, de cabeça para baixo para ser torturado
Uma das funções dos guarda-costas é cuidar das comares dos mafiosos
O Don prende a esposa, Marion, dentro de casa, usando a guerra como desculpa
Uma missa de sétimo dia é uma cena importante para a trama
Praticamente todas as cenas se passam: na casa do Don, apartamento da comare, cassino, deserto, galpão, limusine, estabelecimento para lavagem de dinheiro e clube de strip (Ela não conseguiu escrever UMA cena que não se passa num ambiente que UMCOD não explorou).
Num dos momentos finais, é numa jacuzzi no spa de um hotel que uma traição é conduzida
Um arquivo/dossiê é passado entre mãos como algo revelador sobre a mulher principal da trama
A grande revelação do passado da personagem com nome Marion é que o padrasto abusou dela quando ela tinha 17 anos (sim, nos dois livros)
O Infiltrado tem que matar o namorado/melhor amigo para provar sua lealdade e faz isso com tiros no seu peito
Quando a pressão cai sob a família, o Don pede uma execução como prova de lealdade
A presença do martini como bebida de escolha do mafioso
A tortura de uma stripper leva ela a caminhar por um trecho longo depois de ter os pés machucados
Para uma lista dos trechos tirados dos próprios livros, veja o post original.
Então vamos lá. Eu sei que nenhuma dessas semelhanças, isoladamente, é confirmação do plágio da moça (sim, repito muito isso, mas é porque eu tive que ler "mas eu já vi strippers sendo chamadas de estrelas do rock antes" e "mas você não é dona das histórias que se passam em Las Vegas"). Mas quais são as chances de uma pessoa que comprovadamente leu um livro, ter essa quantidade de semelhanças na obra dela SEM ter feito o plágio? Quais são as chances de um livro ter, em 25% de sua composição, mais de 23 trechos praticamente iguais a de um único outro livro? Lembrando da definição de dois tipos de plágio:
3. Conceitual: Para Lécio Ramos, é a "utilização da essência da obra do autor expressa de forma distinta da original."
4. Plágio Mosaico - Para Ken Kirkpatrick esse é o tipo de plágio mais comum. Ele explica que "este plágio acontece quando o "plagiador" não faz uma cópia da fonte diretamente, mas muda umas poucas palavras em cada frase ou levemente reformula um parágrafo, sem dar crédito ao autor original. Esses parágrafos ou frases não são citações, mas estão tão próximas de ser citações que eles deveriam ter sido citados ou, se eles foram modificados o bastante para serem classificados como paráfrases, deveria ter sido feito referência à fonte. (wikipédia)
Para ser justa, eis as diferenças entre as obras:
Um Martini com o Diabo foi escrito em 1998, mas reescrito em 2016 e publicado pela editora Empíreo no mesmo ano. Fascínio Fatal, de acordo com as amigas da autora, foi escrito ano passado e publicado em Março de 2020 de forma independente.
Um Martini com o Diabo é um livro noir. Fascínio Fatal é um livro erótico.
UMCOD se passa nos anos 80 e 90, época na qual eu pessoalmente conheci Las Vegas, e por isso decidi ambientar o livro lá. FF se passa nos dias atuais.
O protagonista infiltrado em UMCOD é um homem, filho do don. A protagonista infiltrada de FF é uma mulher, que se casa com o Don.
UMCOD foca na jornada do protagonista, que inclui eventos não copiados por FF: ele indo para a prisão, tráfico de drogas e os bastidores do FBI na caçada à Máfia. FF foca no relacionamento sexual entre a protagonista e o Don.
Por que falar sobre tudo isso?
Porque os recados que recebi no privado foram os que mais mexeram comigo – de autores que já haviam sofrido plágio e sofrido muito com a situação, com a necessidade de enfrentar “fãs” da outra parte e ter que explicar o óbvio para eles. Explicar o óbvio é uma das coisas mais desgastantes que uma pessoa pode se propor a fazer. Porque não é justo uma pessoa trair uma autora de quem se diz fã e depois se fazer de vítima para quem não fez questão de se inteirar da história. Porque o autor nacional já não tem voz – ele não pode responder a ninguém, nunca, por medo de ser rotulado de “treteiro”. Não é justo que também tenhamos que tolerar cópias explícitas das nossas obras.
Viu plágio? Denuncie. Seu amigo cometeu plágio? Sua função, como amigo, é dar um puxão de orelha, e não passar pano. Inspirar-se na obra alheia é legal. Adaptar a obra alheia para ficar do jeito que você quer, copiando todos os elementos que a distinguem, copiando cenas inteiras, contextos, nomes e frases? Não.
Comentários