Quase todo fã de true crime conhece o caso não resolvido do assassinato de Elizabeth Short, a Dália Negra. Eu, particularmente, tenho certo fascínio pelo caso desde que li o romance Dália Negra, de James Ellroy, pela primeira vez (faço até menção ao crime no meu livro, Inferno no Ártico). Aliás, aqui fica a dica: leia James Ellroy. Sério. É um dos melhores escritores de ficção criminal de todos os tempos. Em resumo, Short era uma jovem aspirante a atriz que foi encontrada nua e desmembrada, com um corte na boca que simulava um sorriso de orelha a orelha (link para as fotos no final do post). Seu assassino nunca foi encontrado. Neste post, eu trago para vocês alguns fatos sobre o caso que talvez não conheçam.
Obs: Este caso é extremamente violento. Não continue lendo se estiver num momento vulnerável.
O Corpo
O corpo de Elizabeth Short foi descoberto às 10 horas da manhã de 15 de janeiro de 1947, por uma mulher, Betty Bersinger, que estava passeando com a filha pequena. A princípio, Betty achou que o corpo de Short, largado num terreno no sul de Hollywood, era uma manequim de loja. O corpo de Short estava deitado de costas, com os braços elevados, cotovelos dobrados e pernas bem afastadas. Ela havia sido cortada ao meio, na altura da cintura. Seu fígado estava exposto. O rosto e seios retalhados. Seus pelos púbicos haviam sido removidos. A polícia encontrou marcas de ligaduras no pescoço, punhos e tornozelos. Eles foram capazes de deduzir que ela havia sido suspensa pelos tornozelos e torturada. Ela estava morta há pelo menos dez horas antes do corpo ter sido levado e posado naquele local. É possível que ela tenha sido cortada ao meio enquanto ainda estava viva. Não havia sêmen no corpo, mas como parte de sua tortura, Short havia sido forçada a comer fezes. Ela tinha 22 anos.
Quem era Elizabeth Short?
Short era sonhadora, romântica e rebelde. A terceira de cinco filhas, ela nasceu em Massachusetts em 29 de julho de 1924 e foi abandonada pelo pai ainda muito novinha. Quando criança, era muito doente e sofria de asma e tuberculose. Quando era adolescente, ela se mudou para a Califórnia. Betty, como era chamada, tinha olhos azuis e cabelos negros e se vestia de preto, imitando o estilo da atriz Deanna Durbin. Ela era namoradeira, e isso causou problemas entre ela e o pai quando ela o encontrou e foi morar com ele por um tempo. O fato de ser namoradeira não é um julgamento da vítima, e sim um fato que pesou na investigação, levando a polícia a ir atrás de alguns dos homens com quem ela se envolveu.
Fatos sobre o caso Dália Negra
O suspeito principal foi um homem chamado Robert Manley. Elizabeth estava ficando na casa da família French, porque não tinha onde morar e Dorothy French ficou com pena dela, mas como Short não contribuía na casa, o convívio se tornou turbulento. Um vendedor, Manley, ofereceu a Short uma carona de volta para Los Angeles. Eles passaram a noite de 8 de janeiro juntos, e ele a deixou no Biltmore Hotel, onde segundo Short, ela iria se encontrar com a irmã.
O interrogatório de Manley foi tão intenso que ele entrou em depressão e foi submetido a terapia de choque. Anos depois, quando estava em tratamento num hospital psiquiátrico, Manley confessou o crime, mas quando lhe deram sodium pentothal (soro da verdade), descobriu-se que ele não sabia nada de como o crime fora cometido. Curiosamente, ele morreu exatamente no dia 9 de janeiro (1989), dia em que havia, décadas antes, deixado Short no Biltmore Hotel.
O pai de Short não quis se envolver nas investigações. Quem foi reconhecer o corpo foi a mãe de Elizabeth, que soube da morte da filha por um jornalista, que chegou a sua porta antes mesmo da polícia.
Alguns dias depois do descobrimento do corpo, foi enviado ao jornal Los Angeles Herald Examiner um pacote acompanhado por um bilhete criado a partir de letra de jornal, que dizia “Aqui estão os pertences da Dália”. Junto estavam: o cartão de social security de Elizabeth, certidão de nascimento, um telegrama, alguns cartões de visita, uma agenda com algumas páginas arrancadas e fotos dela com diversos militares.
No final de janeiro, um bilhete chegou até a polícia, alegando que o assassino iria se entregar, mas logo depois, outro bilhete entregue dizia que ele havia mudado de ideia e que o assassinato tinha sido justo.
Assassinatos parecidos (com semelhanças, mas também diferenças) com o de Short foram cometidos pouco tempo depois. Isso pode significar duas coisas: o assassino de Short era um serial killer que também atacou outras vítimas, ou esses outros assassinatos foram cometidos por copycats. Embora essa segunda possibilidade pareça forçada, é muito comum que depois de um crime de alta visibilidade, crimes parecidos aconteçam.
O estilo de vida de Short, somado aos boatos que circularam sobre ela durante a investigação, indicavam uma mulher que tinha tudo para ser presa fácil de um predador. Queria ser atriz de Hollywood, mas era pobre. Trocava favores sexuais por comida, abrigo e roupas, era romântica e carente. Como disse John Douglas em The Cases that Haunt Us, “Ela era alvo fácil para uma pessoa que quisesse dominar ou machucar uma mulher. E seu assassino era do tipo que está sempre caçando. Ele a teria farejado a um quilômetro de distância.”
O perfil do assassino, tal como traçado pela polícia; o assassino de Short mostrou características de ser organizado (lavou o corpo, tinha carro para transportar o corpo, eliminou evidências) mas também desorganizado (mutilações extremas são geralmente cometidas por assassinos mais confusos mentalmente), caindo assim na categoria “mixed”. Ele odiava mulheres ardentemente e queria chocar a sociedade. Era possivelmente um açougueiro ou caçador, pela experiência que mostrou em lidar com o corpo. Ele provavelmente tinha mais dinheiro do que sua vítima e um apartamento ou local próprio onde pôde passar tanto tempo com Short.
Juntando todas as evidências, entrevistas e perfilamento feito pelo FBI, é altamente improvável que o assassino de Short tenha sido um homem recusado por ela, um namorado ciumento, ou uma mulher.
Então, quem matou Elizabeth Short?
Se você digitar em inglês, no Google, “Quem matou Elizabeth Short?” o primeiro resultado será “George Hodel”, da Wikipédia. Se digitar a mesma pergunta em português, será levado ao site Literatura Policial, da minha querida amiga Ana Paula Laux, onde ela fala sobre o livro de Piu Eatwell, Black Dahlia, Red Rose: The Crime, Corruption, and Cover-Up of America’s Greatest Unsolved Murder.
Eatwell afirma que o homicídio foi cometido por Leslie Dillon, num crime encomendado por um homem influente em Hollywood na época, o dinamarquês Mark Hansen, dono de várias salas de cinema, de um cassino clandestino e também ligado ao showbizz. No livro, a autora explica a relação de Short com Hansen, e como Leslie Dillon, que trabalhava para Hansen, sabia de detalhes do crime que só o assassino poderia saber. - Laux, Literatura Policial.
Então... quem foi? Recentemente, temos visto muitos livros sendo lançados com a mesma premissa: filho estava investigando (insira aqui assassino lendário) e descobre que era seu próprio pai! De fato, muita gente anda alegando que descobriu a verdadeira identidade de Jack, o Estripador, Zodíaco e afins. Michael Newton, autor de A Enciclopédia dos Serial Killer (livro bom com alguns erros de pesquisa), escreveu Daddy Was the Black Dahlia Killer, onde Janice Knowlton alega que seu pai, o falecido George Knowlton, era o assassino. A verdade é que a maioria das pessoas sãs desejam, de verdade, uma resolução para assassinatos famosos, e oferecer uma resposta definitiva é como dizer “agora acabou, pode descansar”, e isso dá muito dinheiro.
Há muitas chances de o assassino da Dália Negra ter sido um homem chamado Arnold Smith, que também usava o nome Jack Anderson Wilson. Pelo menos, é o que dizia o lendário investigador da LAPD John St. John, dono do distintivo número 1 de detetive de Los Angeles. É altamente provável que o assassino de Short tenha sido também o assassino de Georgette Bauerdorf um ano antes. Bauerdorff era uma socialite e herdeira que conheceu Short que teve uma morte extremamente violenta. Ela namorava um homem alto, de pele bronzeada e manco, que foi visto perto da cena desse crime. Baurdorff havia terminado o relacionamento por medo dele. O jornalista John Gilmore, que investigou ambos os casos (Bauerdorff e Short) entrevistou um homem chamado Arnold Smith, fichado por vários crimes, alto, magro e manco. Na entrevista, ele alega que um homem chamado Al Morrison matou Short, e havia confessado o crime para ele. O detetive St. John acreditava que Al Morrison na verdade era Smith.
“Provavelmente nunca saberemos com certeza quem matou a Dália Negra. Se o detetive St. John pudesse ter tido a oportunidade de interrogar Arnold Smith, o resultado poderia ter sido diferente.” - John Douglas
Fontes principais para este artigo:
The Cases That Haunt Us, John Douglas e Mark Olshaker
Diversos artigos
Dália Negra, James Ellroy
Onda de Crimes, James Ellroy
Para ver a foto da carta entregue à polícia e duas fotos do corpo de Elizabeth Short, veja o artigo Aventuras na História: Dália Negra
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