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O que é Tanatologia Forense?


Aqueles que acompanham minha trajetória sabem que eu me dedico profundamente às pesquisas para os meus livros. Faço isso não apenas como compromisso com os leitores, mas também porque sempre fui uma pessoa curiosa. No entanto, por mais que o conhecimento sobre determinado assunto seja capaz de nos fornecer detalhes que enriquecem qualquer história, um escritor é um ficcionista, e cabe somente a ele escolher o quanto de realidade e o quanto de ficção deseja colocar na receita do romance que está escrevendo. Às vezes, o excesso de pesquisa pode até atrapalhar na criação de uma história. Outras vezes a pesquisa vai tão fundo que confunde os leitores mais desatentos. Lembro de um rapaz alegando que a forma como Barbara Castelo encontrou as digitais do assassino no meu livro Inferno no Ártico não foi realista, já que ele não apoia a mão na parede na hora de urinar. Eu precisei explicar que procurar digitais na parede do banheiro oposta ao vaso é algo que a polícia americana faz como tática. Peguei a dica no livro Howdunit Book of Police Procedure and Investigation: A Guide for Writers, do Lee Lofland, um guia sobre procedimentos policiais. Outro rapaz recentemente acusou o mesmo livro de não ser realista, uma vez que a polícia de um lugar tão pequeno quanto Barrow não deveria ter problemas de falta de recursos. Obviamente a pessoa não entende como os recursos são divididos entre os departamentos de polícia. Acho que meu ponto aqui é: não faça uma busca de 3 minutos na Wikipédia para afrontar um escritor que levou anos estudando alguma coisa. E meu segundo ponto é: a ficção não precisa ser 100% baseada na realidade e um autor tem o direito de esticar, moldar ou até ignorar os fatos quando isso serve à história.  Essa longa introdução tem um propósito; eu quero explicar que embora essa vontade de pesquisar tenha me levado a estudar coisas bizarras e fazer cursos como Sexologia Forense, Neurociência Forense, The Psychology of Criminal Justice e Social Psychology, nenhum curso foi mais desafiador do que o atual: necropsia. Trata-se de um curso técnico de dez meses para quem quer ser auxiliar de necropsia  ou tanatopraxista em clínicas funerárias. E não, não tem sido fácil, mas tem mudado minha forma de enxergar a vida, como a proximidade com a morte sempre faz. Além de anatomia e fisiologia, medicina legal, sutura e necromaquiagem, o curso ensina a arte da tanatologia, e decidi que seria um assunto legal para a newsletter de hoje. Basicamente, a tanatologia serve para preparar o corpo para o velório ou para viajar. São procedimentos feitos para conservar – em maior ou menor grau dependendo da técnica e necessidade – o cadáver. No âmbito social, esse preparo do corpo é importante para que o morto mantenha um aspecto mais natural, como se estivesse dormindo, para que a família possa se despedir. Os procedimentos evitam que o corpo mude de cor, fique inchado, libere odores ou vaze durante o velório. Quando o corpo precisa ser transportado para outra cidade, estado ou país, o trabalho terá que ser voltado para a conservação desse cadáver por longos períodos. Por isso, a tanatopraxia tem 4 níveis, dependendo do tempo em que esse corpo ficará “entre nós” antes de ser enterrado.


Os procedimentos principais são a remoção de roupas, algodão, fraldas ou qualquer outra coisa que chegue à clínica com o corpo. Depois é feita a higienização deste, e então começa a injeção dos tanatofluidos, que são de dois tipos – arteriais e cavitários. A escolha dos fluidos depende da patologia do corpo, portanto é imperativo que o tanatopraxista tenha em mãos o atestado de óbito para saber quais fluidos usar. O uso de tanatofluidos impróprios para aquele corpo pode resultar num cadáver com aspecto estranho e com mudança de coloração – e isso pode resultar num processo judicial por parte da família e demissão do funcionário por parte da clínica. Os fluidos arteriais são injetados de acordo com a necessidade, mas sempre numa artéria. Já o fluido cavitário, agressivo demais para ser injetado na artéria, é usado na cavidade torácico-abdominal para conservar os órgãos. Quando há necessidade, é feita a restauração do corpo ou da face (quando acontecem acidentes ou mortes violentas, por exemplo). Feito esse trabalho, o corpo é maquiado e vestido. O procedimento simples leva cerca de 1 hora a 1h20. Vale lembrar que a tanatopraxia é feita com o corpo fechado, quando não houve necropsia (pelo IML ou SVO – serviço de verificação de óbito). Entre os outros procedimentos estão o embalsamamento, procedimento de corpo aberto, quando o corpo sofreu investigação e foi necropsiado. A formolização é um procedimento mais rápido, onde é feita a aspiração da cavidade torácico-abdominal e injetado o fluido cavitário (o formol é proibido hoje em dia). A mumificação moderna prepara o corpo para longos translados, conservando-o por muitos dias. O procedimento mais demorado de todos e feito apenas por alguns especialistas é a plastinação, que preserva partes de corpos em sua totalidade, para exposição em museu ou aulas de anatomia. Curiosidade: meu primeiro conto foi justamente O Tanatopraxista, a história de um tanatopraxista, Valentim, que um dia se depara com o cadáver de Dália, a moça que o esnobou quando eram adolescentes. O conto acompanha o tratamento que Valentim dá ao corpo de Dália enquanto ele se lembra do passado dolorido dos dois. Embora eu tenha feito uma super pesquisa, hoje eu sei que os procedimentos usados no conto foram exagerados, uma vez que minhas fontes na época eram todas gringas, e no Brasil os procedimentos são diferentes. Já adianto que esse conto é para os fortes e está disponível na coletânea Trabalhos Ocultos, na Amazon.

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