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O Domestic Noir e outros subgêneros da literatura policial

Sou apaixonada pelo domestic noir, que é como se o noir e o cozy mystery tivessem uma filha rebelde que fala tudo o que pensa. Vem saber mais sobre ele.


Quando entramos no assunto de gêneros e subgêneros literários, a coisa fica confusa e definições variam de pessoa para pessoa. Mas num geral, cada subgênero tem elementos que, agrupados, o caracterizam. As linhas ficam menos definidas ainda quando há equívocos de tradução, como é o exemplo do domestic noir (no Brasil traduzido para thriller doméstico), já que o subgênero tem mais semelhanças com o noir do que com o thriller. Socorro! Vamos tentar simplificar. 


A autora Julia Crouch explica melhor:

“O condutor do meu trabalho é mais um desenrolar de segredos do que a montanha russa de alta adrenalina sugerida pela palavra thriller.”

Foi justamente a insatisfação de ver seus romances descritos como “thriller psicológico” que levou a autora a inventar o termo “domestic noir”.

Quais são os elementos do domestic noir?

A ambientação é o lar, a família, os casamentos. Quase sempre a história gira em torno de uma protagonista, e ela raramente cai no estereótipo de mocinha indefesa e frágil. Por outro lado, não é um “mulherão da porra” no sentido mais forçado da coisa; ela não tem todas as respostas e não sai por aí chutando bundas. Como o noir, o domestic noir apresenta personagens com defeitos, mas com mais elementos, como segredos, traumas do passado e fobias.

“A família...é um caldeirão para o crime, trazendo com ela sequestros, prisões, problemas de infertilidade, infidelidade e crianças desaparecidas. O lar é um lugar repleto de segredos familiares enterrados e que voltam para nos assombrar. Este subgênero brinca com a ideia de que o lar é o lugar mais seguro para se estar OU NÃO.” – A.J. Waines



A figura da mulher no domestic noir é, na minha opinião, o que torna o subgênero tão atual. Quebramos a imagem da mãe casta, da esposa obediente, dos casamentos de contos de fadas. O cotidiano da mulher moderna é exposto nesses livros sem romantização, assim como suas personalidades, desejos e impulsos violentos. No domestic noir, as mulheres expressam sua sexualidade, seus defeitos, seus piores medos e ambições mais perigosas. Elas são capazes de tudo – de nutrir ou matar, de trair ou salvar, de odiar ou amar.

Um subgênero de “mulherzinha”?

Não demorou para o domestic noir, cada vez mais presente nas listas de best-sellers, e transgressor na forma crua como mostra a figura feminina, passar por uma tentativa de desqualificação pelos homens. Foi feito um esforço para renomeá-lo “chick noir”, fazendo a associação de que é um tipo de literatura só para “garotas” que não deve ser levada a sério. Por sorte, as mulheres estão mais espertas e descartaram o apelido.

Há homens escrevendo domestic noir? Sim, mas são minoria. Os nomes que se destacam são Gillian Flynn, considerada por muitos a “mãe” do domestic noir com “Garota Exemplar”, assim como Paula Hawkins, Laura Lippman, Elizabeth Haynes, Lionel Shriver, Julia Crouch e Karin Slaughter com Flores Partidas.

Aqui vai uma breve descrição dos subgêneros e dos elementos que os compõem.

(Gênero) Policial: Precisa haver um crime, que não é necessariamente um assassinato, e alguém disposto a investiga-lo, mesmo que não seja alguém da polícia. O problema com o nome “policial” é justamente este: para um romance ser considerado policial, ele nem precisa envolver uma investigação formal. O nome em inglês, crime fiction, é mais preciso. Exemplo no Brasil: “Quando ela Desaparecer”, do Victor Bonini (Faro, 2018)

(Gênero) True Crime: Trabalhos de não-ficção, muitas vezes de cunho jornalístico, escrito por policiais, especialistas, criminólogos, psicólogos ou leigos, falando sobre crimes reais, biografias de assassinos, serial killers, máfia, gangues, seitas criminosas, sequestros de alto perfil, e tipos de assassinos. Exemplo do Brasil: “Casos de Família”, da Ilana Casoy (Darkside, 2017)

Subgêneros: 

Noir: categorizado por ambientação urbana e dark, com personagens cheios de defeitos e moralmente questionáveis, cuja ganância e impulsos sexuais os levam para situações complicadas e muitas vezes violentas. Em geral é um gênero pessimista, onde o certo e o errado se misturam, que aborda tabus sociais e contém sexo e violência. Os diálogos são ásperos e inteligentes. Exemplo no Brasil: “Se Eu Morresse Amanhã”, da Fabiana Ferraz (M0rgue, 2020)* *lançamento em breve 

Hard-boiled: embora seja parecido com o noir, em especial porque os dois subgêneros envolvem corrupção, crimes e violência, o hard-boiled foca mais nos detetives (principalmente os PIs, private investigators) e não nas vítimas. Há no protagonista uma vontade de fazer justiça. Como no noir, os diálogos são cheios de nuances e respostas ríspidas. Exemplo no Brasil: os livros da Vera Carvalho Assumpção

Thriller: loucura, loucura! O thriller tem reviravoltas, surpresas, perseguições e um ticking clock bem explícito. Quase sempre, a ameaça é pessoal, e tem sempre alguém em perigo. Mas como dito anteriormente, o thriller é mais um estilo de escrita, que pode se adequar a diversos gêneros, como ficção científica, horror, policial, etc. Exemplo no Brasil de thriller de horror: "Numezu", do Jorge Alexandre Moreira (Monomito Editorial, 2019)

Domestic noir: Ambientação dentro do lar, família, casamento, local de trabalho. A figura central é quase sempre feminina. Os elementos são segredos, traições, relacionamentos tóxicos e abusivos. Pode ter baixas ou altas doses de sexo e violência. Tabus são escancarados. Outros temas comuns são alcoolismo, abuso sexual, depressão, relacionamento com filhos, violência doméstica. Exemplo no Brasil: A Segunda Morte de Suellen Rocha, de Cláudia Lemes (eu mesma), com lançamento previsto para março de 2020 (Editora AVEC).

Outros conceitos legais de conhecer:

Procedural: os romances policiais e thrillers em que a investigação do crime se baseia fortemente na ciência e psicologia forense, detalhada (embora às vezes com exagero) no processo de storytelling.

Suspense: como gênero, seria algo muito parecido com o que chamamos de “thriller psicológico”. No geral, eu prefiro usar “suspense” para me referir a um elemento chave na construção de histórias em todos os subgêneros acima.

Scandi crime/Nordic noir: é policial e thriller, só que ambientado nos países nórdicos e escritos por autores de lá, como Henning Mankell, Stieg Larsson, Jo Nesbo e Camilla Lackberg. Em termos de narrativa, os textos são diretos e pesados.

Espionagem: um tipo específico de ficção que gira em torno de espiões. Dentro dele, há distinções entre spy novel e espionage novel, por exemplo. No Brasil, as obras da Vivianne Geber.

Chase e heist: Chase são histórias cuja trama é focada na perseguição do protagonista, como no filme O Fugitivo. Heist são aquelas em que no centro da trama há um golpe, como assalto a um banco. O filme 11 Homens e Um Segredo é um exemplo de filme.

Curtiu? Acompanhe meu blog no www.claudialemes.com.br para saber mais sobre literatura de crime.Amanhã, no meu IG, haverá uma live no "stories" só para falar do domestic noir.E lembre-se que em março, A Segunda Morte de Suellen Rocha, meu domestic noir ambientado numa pequena cidade no interior de São Paulo, será lançado pela Editora AVEC. 

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