Para autores de ficção no Brasil, nenhum sonho parece mais longe do que o de ser publicado por uma grande editora.
Por que é tão difícil e o que você pode fazer para chegar lá?
Em primeiro lugar, vamos descobrir por que é tão difícil.
Publicar livros no Brasil é caríssimo! Os custos de impressão, afetados pelas incertezas econômicas e valor do papel, são altos. Além disso, as fatias mordidas pelas livrarias são grandes e por mais que tenhamos observado um aumento considerável em vendas, num geral, o brasileiro ainda lê pouco.
Quando lê, ele tem medo de desperdiçar seu tempo e dinheiro, então aposta em livros que passam mais confiança: os bestsellers, em especial os bestsellers gringos.
Como as editoras gastaram bastante dinheiro para comprar os direitos de publicar esses livros no Brasil, traduzi-los e imprimir grandes tiragens, é lógico que elas investirão seu marketing nessas obras.
Assim, temos poucas "vagas", por assim dizer, para autores nacionais em grandes casas.
Isso mudou nos últimos anos, e temos visto autores que começaram bem pequenininhos publicando de forma independente e lutando muito para conquistar leitores, entrando e publicando em editoras grandes.
É ainda mais empolgante perceber que as grandes estão cada vez mais investindo na literatura de gênero, publicando livros de ficção científica, fantasia, horror, crime, chick-lit e outros.
É ainda melhor observar que estão focando em publicar autores de minorias sociais.
Mesmo assim, para cada autor que conquista seu lugar ao sol - temporariamente, pois poucos conseguem manter-se nas grandes editoras -, há uns 4 mil (fonte: vozes na minha cabeça) que não conseguem vender mais de 10, 20 exemplares que ele mandou imprimir por conta própria.
Os autores que conseguem entrar numa grande casa, muitas vezes ficam decepcionados com:
A falta de um trabalho editorial sério em cima de seus livros, como uma boa preparação de texto (sim, isso acontece em muitas editoras grandes, por incrível que pareça);
Pouca divulgação do livro;
Muita interferência na obra, beirando a censura;
Falta de apoio, como por exemplo a editora não bancar os custos para o autor ir a grande eventos literários e até noites de autógrafos organizadas pela própria;
Isso, obviamente, leva a menos vendas, e a editora chega à conclusão de que não valeu a pena publicar aquele autor, mesmo se o coitado divulgou seu livro exaustivamente e fez sua parte para que a obra alcançasse leitores.
Eu poderia, mas na verdade não posso porque não seria bacana com os envolvidos, contar dezenas de histórias de autores que passaram por tudo isso.
É claro que existem editoras maravilhosas. Lugares que respeitam o autor, remuneram bem, inclusive com adiantamentos significativos, editam a obra até que alcance todo o seu potencial, distribuem amplamente e investem na divulgação da mesma. Essas, meus amores, são raríssimas. Mas existem. Garanto.
Então... o que devo fazer?
Antes de explicar algumas das coisas que você pode, sim, fazer para aumentar suas chances, é importante que você se lembre que:
Nem tudo depende de você, mas muitas coisas dependem de você.
Leva tempo.
Você não conhece os bastidores da carreira de ninguém, então não se compare.
Se você passa mais tempo fofocando sobre outros autores em vez de escrever, está fazendo tudo errado. Enquanto esses autores conseguem leitores, contratos e mais liberdade para viverem de escrita, você não sai do lugar.
Publicar por uma editora grande não deveria ser sua única meta, e sim uma consequência da sua carreira.
O que as editoras grandes querem?
Lucro. Mas também querem diversidade, livros bem escritos e autores profissionais. Não porque são "boazinhas", afinal, são empresas, e sim porque os livros que publicam refletem a imagem que querem passar.
"Mas... eu ofereço tudo isso!", você pode estar pensando. Só que precisa oferecer isso por certo tempo e constantemente para ser notado por elas.
Como fazer para chamar a atenção delas?
Ambiente: você é visto? Vai a eventos literários, feiras, Bienais? Participa de grupos sérios de escritores? Conhece autores que, diante de uma oportunidade, indicariam você?
Lembre-se que são milhares de autores querendo ser publicados. Se você não é visto, não será lembrado. O ideal é que quando um editor esteja procurando um autor de determinado gênero, alguém diga seu nome. E isso é mais comum do que você imagina. Editores estão ávidos por autores nacionais com uma carreira bem definida, postura adulta e escrita boa.
Constância: Editoras não querem autores que escrevem um livro a cada seis anos, desaparecem, reaparecem, se reinventam toda semana e não oferecem uma mensagem clara de quem são e o que escrevem. Essas pessoas não retêm um público fiel. Por que uma editora correria esse risco?
Paixão: seja apaixonado pelos seus projetos. Divulgue suas antologias, seus livros, seus colegas, seu trabalho, seus rolês literários. Uma editora não vai publicar alguém que faz questão de parecer blasé o tempo todo.
Profissionalismo: você mantém um relacionamento elegante com editores e profissionais do meio, ou faz pucuinhas, reclama de besteiras e arruma tretas facilmente?
Eu já tive que lidar com uma autora que não fazia o que era solicitado no processo editorial, não interagia com o grupo, não respondia aos e-mails e nunca divulgou a antologia.
Quando fui conversar com ela, amigavelmente, ela reclamou que não fazia nada disso porque não gostava de WhatsApp e eu havia escolhido concentrar toda a conversa com os autores nesse aplicativo.
Além disso, reclamou da demora no adiantamento dela, sendo que não havia preenchido os dados do PIX na tabela, como os outros autores que receberam no dia certo, e não sabia a diferença entre o Word e o Google Docs, partindo do pressuposto que o que ela alterava no Word dela, eu automaticamente veria.
Quais são as chances de eu contratar essa autora de novo? Quais são as chances de indicá-la quando outros editores pedirem referências?
Profissionalismo apenas significa bom senso, na maioria das vezes. Calma, lógica, flexibilidade. Nem todos os editores vão trabalhar do jeito que você prefere. Alguns gostam de uma comunicação mais informal, outros de muita formalidade. Uns trabalham com a ida de volta de um arquivo de Word e outros com o trabalho coletivo num documento do Google. Cabe a você a se adaptar à metodologia da editora, não o editor a você.
Cobranças também irritam. Entendo a ansiedade, mas a maioria dos editores está sobrecarregado, e quando você manda um e-mail por semana peguntando "e aí?", sua imagem não fica muito boa. Neste caso, entendo que parece injusto mesmo. Eu já passei nove meses esperando a resposta de uma editora, e certamente já deixei muita gente esperando, também. Mas a coisa é o que é... isso não vai mudar muito, porque todos estão com mais trabalho do que dão conta de entregar.
Em editais, certifique-se que sua dúvida não está escrita antes de enviar um e-mail aos organizadores. Perdi as contas de quantas vezes recebi e-mails perguntando algo que estava claro e óbvio no texto original, precisando apenas copiar e colar o trecho no corpo do e-mail para sanar a dúvida, recebendo em seguida "ah, desculpa, não tinha visto." Um ou outro e-mail assim não criam problemas para ninguém, mas quando o organizador passa um dia inteiro fazendo isso, acredite: ele lembrará dos nomes.
O mínimo do mínimo do básico na entrega de um texto: cara, não entrege um texto sem o basicão da diagramação. JUSTIFIQUE o texto, leva menos de um segundo. Use uma fonte básica, como Times ou Arial. A apresentação do texto mostra seu zelo por ele.
Qualidade de escrita: você está escrevendo bem mesmo ou só "satisfatoriamente"? As editoras não querem publicar livros "meh". Querem livros "uau!"
Ninguém quer ler um livro e ficar com a impressão de que o autor não é um escritor profissional, e sim alguém brincando de escrever. Tem muita gente escrevendo muito mal, achando que escreve maravilhosamente bem e ficando "indignado" quando não é publicado.
Seja criativo, não tenha medo de ousar, tenha uma voz própria e fique antenado para o que está sendo lido (nem que seja para fazer diferente).
É uma maratona
Ser escritor no Brasil não é para os fracos. Não conheço UM que não tenha pensado em desistir, muitas vezes. Conheço pouquíssimos que estejam animados com a carreira, e esses geralmente são aqueles que, ingenuamente, acham que ela não é composta de altos e baixos.
A verdade é que hoje você pode estar ganhando prêmios e sendo publicado por uma grande editora, mas esse não é um estado permanente. Uma carreira de 20, 30, 40 anos é marcada por mudanças constantes de editora; momentos de grande e pequena relevância para seu nicho; a agenda lotada de eventos e falta de convites.
Para sobreviver, você não pode perder o foco, que sempre deve ser a escrita em si. A carreira é consequência (já disse isso antes, mas repito porque é a maior verdade que conheço, depois de ter vivido todos esses altos e baixos).
Resumindo...
As editoras não podem se dar ao luxo de errar. Elas vão apostar em quem se destaca, já tem público, já é referência em seu nicho e tem mais chances de passar uma imagem profissional nas redes sociais, eventos, mesas etc. Você pode não "concordar" com isso ou não gostar, mas é assim que as coisas são.
De forma alguma incentivo você a não se respeitar. Pelo contrário. Acho que o autor que inventa uma persona só para se destacar não consegue sustentá-la a longo prazo. Acho que falar e agir contra sua essência é um caminho perigoso e contraprodutivo. Acho que você deve pertencer a si mesmo e sua escrita deve ser uma extensão disso.
Isso não significa, no entanto, que você pode fazer o que quiser e esperar aplausos. Mostre sua personalidade, mas seja responsável. Seja ousado na sua arte, mas respeite as regras básicas de convivência e profissionalismo ao lidar com os outros. Pertença a você, mas saiba que se quiser entrar numa grande casa, terá que fazer algumas concessões.
Pergunte-se:
Por que preciso estar numa grande editora para ser feliz?
Posso me contentar com uma editora menor, que me permite publicar sem pagar nada?
Minhas ambições são compatíveis com o que eu ofereço?
Posso ser feliz apenas publicando para um grupo pequeno de leitores?
Estou preparado para publicar por uma grande editora e honrar os compromissos que isso exige?
Estou preparado se, depois dessa publicação numa grande editora, eles decidirem que não vão publicar meu próximo livro?
Essas respostas ajudarão você a entender o que quer da sua carreira como autor.
Você tem mais chances (sempre há exceções, estou falando da regra) de ser contratado por uma grande editora se:
Publica um romance por ano;
Não publica apenas contos;
Publica sempre livros do mesmo gênero literário;
Comunica-se com seu público;
Divulga muito suas obras nas redes sociais, sem ser invasivo ou chato;
É respeitado pelos editores do mercado;
Circula em ambientes literários com frequência;
Só se envolve em assuntos mais polêmicos quando absolutamente necessário;
Não reage à provocações, críticas ou brigas bobas;
Sabe se comunicar, falando bem quando em mesas em eventos;
Sabe muito sobre seu nicho;
Escreve muito bem e entrega originais prontos, que exigem pouca edição e revisão;
Faz parte de coletivos de autores, como grupos e associações;
É visto como autoridade no nicho, sendo contratado para dar palestras, cursos e elaborar paratextos para outras publicações;
Mantém bom relacionamento com outros autores.
"Mas eu conheço fulano que..." -> SEMPRE há exceções, estou falando da regra.
Espero que você consiga curtir a jornada e não dependa apenas desse "destino" (a editora grande) para ser feliz como autor. E desejo também que com o tempo, esse reconhecimento venha e traga bons frutos.
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