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Como lidar com haters


Os haters são quase um tabu para os autores nacionais. Os editores e agentes literários têm pavor de que um dia o autor vai chegar no seu limite e enfrentar um hater e colocá-lo em seu devido lugar. Quando o assunto surge entre autores que nunca foram realmente odiados, eles soltam o cliché: “críticas não me incomodam, eu as uso para melhorar.” Mas existe um abismo entre as críticas e os haters.


As críticas fazem parte da vida. Algumas nos ajudam a olhar para nós mesmos e nossos trabalhos de um jeito mais afiado e corrigir o que precisa e deve ser corrigido. Se uma pessoa autista me fala que eu retratei o autismo de forma errada numa obra minha, eu preciso ouvir essa pessoa – ela não é uma hater, ela só está me alertando para uma realidade que eu não conheço e não pesquisei bem o suficiente (e isso é sim um erro meu). Mas e quando a crítica vem de alguém que não tem nenhum tipo de “expertise” sobre o assunto? Devemos levar opiniões de “leigos” a sério?


Bom, leitores experientes não são exatamente leigos, principalmente leitores experientes de um determinado gênero. Um leitor de romances policiais que lê 10 livros do gênero por mês há 20 anos é praticamente um expert no assunto, e deve ser ouvido quando suas críticas são bem embasadas. No entanto, há críticas que não fazem o menor sentido, e o autor maduro, humilde e que conhece bem seu ofício sabe diferenciar uma da outra sem grandes problemas. Dessa forma, cabe a ele decidir se aquela crítica em especial precisa ser levada a sério ou ser descartada. Muitas vezes a crítica faz sentido, mas o autor pode decidir descarta-la porque no final do dia, é ele quem decide o que quer escrever, da forma como quer escrever. Isso não é arrogância – isso é uma escolha criativa. Um exemplo bobo para ilustrar isso:


Um rapaz uma vez fez uma crítica ao Um Martini com o Diabo com a qual concordei: o livro não precisava do prólogo. A narrativa do primeiro capítulo e as promessas que ele faz, assim como o estilo, personagens e o ritmo, já deveriam ser o suficiente para fisgar o leitor. Assim, o prólogo que situa o protagonista numa situação extrema lá no futuro, é um recurso desnecessário. Eu concordo. Por outro lado, eu queria isolar aquele “momento” do futuro como o instante em que o personagem se dá conta do que se tornou, queria dar mais destaque para ele. Eu amei o prólogo. E às vezes, amar uma cena é motivo mais do que razoável para deixar ela num livro. Outra coisa que poucos leitores levam em consideração é o fato de que muitas vezes aquilo que eles consideram um “erro” do autor foi uma ação deliberada, pensada e discutida com os editores, que são profissionais do livro e endossaram aquela escolha.


As tão faladas cenas de sexo de Eu Vejo Kate (que, meu Deus, não têm nada de mais), foram discutidas com a minha editora. “Devo deixa-las ou é melhor deletar isso tudo?” eu perguntei, insegura, em 2015. “Não. Este é um livro para adultos, o tema da sexualidade é parte dele, e sexo é natural, as pessoas precisam saber lidar com isso.” Manter as cenas no livro não foi um erro – aquilo tinha um propósito. Quando recebi dezenas de mensagens dizendo que aquilo foi o que as pessoas mais gostaram – que o livro não teria tanta graça sem aqueles trechos – eu soube que foi uma boa escolha. Esse feedback veio justamente de psicólogos e pessoas que trabalham com crimes, e foi a opinião delas que escolhi ouvir. Na terceira edição do livro eu tive mais uma vez a escolha de podar as cenas. E optei por ser fiel a devastadora maioria dos leitores que amaram a obra, e não os que não gostaram. Ainda é meu livro mais vendido e mais celebrado, e teve sua terceira edição (a segunda independente) financiada em 16 dias. O Catarse da campanha do Kate chegou a mais de 23 mil reais. Era um livro originalmente publicado 5 anos antes. São esses leitores que eu escolho ouvir.


Qualquer pessoa pode criticar uma obra. Essas pessoas não são necessariamente haters, apenas leitores cujas expectativas sobre a obra não foram correspondidas. Elas simplesmente não são o público para seu livro, e acabaram de descobrir isso. Não há motivo para você ter raiva delas ou elas de você. Já os haters têm uma natureza diferente.



Ok, mas e o hater?


Bom, o hater se enquadra em outro perfil. O hater, como o nome já diz, é a pessoa que “odeia” você. Eu digo “você” e não “seu livro”, porque pessoas normais não perseguem um escritor por não terem gostado de uma leitura. Eu leio há mais de 30 anos e já desgostei de muitas obras. Eu não gostei, por exemplo, de O Casal que Mora ao Lado, da Shari Lapena. Achei mal escrito, com personagens de papelão, zero conhecimento sobre o trabalho da polícia e psicologia criminal, diálogos ruins e sem estilo. Mas eu não vou perseguir a autora por não ter gostado da obra dela. Muitas pessoas adoraram. O livro simplesmente não é para mim. Não faz sentido eu ter ódio por ele ou pela autora.


O hater não tem um problema com o livro, ele tem um problema com o autor.

Ele dedica horas de sua vida e bastante energia para insultá-lo. As críticas que faz é num tom raivoso, debochado, infantil e quase histérico, de cunho pessoal. Não estamos falando aqui de uma crítica com imperativo social, como quando alguém denuncia uma obra preconceituosa. Estamos falando de uma pessoa não gostar de um livro de ficção, por motivos pessoais, e se dedicar a perseguir o autor por causa disso. O que motiva um hater? Não faço a mínima ideia, mas podemos deduzir que não é uma pessoa que está muito bem da cabeça.


Eu tenho alguns haters. Infelizmente, a maioria é mulher (percebo também que as autoras têm mais haters do que os autores). Uma delas fica em stand-by no Skoob de um dos meus livros, para curtir e comentar com entusiasmo todas as vezes que alguém faz uma resenha negativa do livro. Eu mesma, que só consigo entrar no Skoob uma vez por mês, fico pensando na quantidade de tempo e energia que alguém põe numa empreitada dessas. O mais curioso é que essa pessoa faz questão de falar que só leu cerca de 20% do livro. E reclama dos erros (prova de que está lendo a primeira versão sem revisão, a pirata mesmo, ts ts). É isso mesmo: ela leu 20% do livro e há anos visita o Skoob pelo menos uma vez por semana para ver se há alguma resenha negativa para ela comentar. Eu desejo mal a essa pessoa? Pelo contrário: desejo um emprego, um hobby e uma grande história de amor para que ela tenha algo do qual possa se ocupar. Gente feliz não enche o saco.


Umas semanas atrás conheci outra (ou a mesma?) hater. Num grupo do Facebook de milhares de leitores uma pessoa com o perfil fake fez um post pedindo recomendações de autores nacionais, desde que não fosse eu. Não consegui ver muito do post (e nem fiz questão). Mas até onde eu li, a pessoa usava como exemplo de que eu não sou boa escritora um trecho bem vulgar – escrito sob o ponto de vista de um assassino em série, ou seja, com a voz dele. É claro que essa pessoa não fez questão de contextualizar o trecho – seu “argumento” iria por água abaixo, querendo dar a impressão de que aquela voz era a minha voz.


Fiquei surpresa de ver autores de certa fama expondo-se no post para me defender, e basicamente para falar o que todos já sabemos: que essa pessoa é pequena, invejosa e do tipo que se alimenta de pequenas tretas porque não tem outras alegrias na vida. Cheguei até a pedir a alguns que não se envolvessem – haters surtam quando não têm atenção, como crianças mimadas (ou políticos). Recebi muitas mensagens de leitores falando sobre o post, tirando sarro do hater e expressando a decepção ao saber que o perfil fake é admin. do grupo, um grupo que colocou como regra “não aceitaremos posts criados para criar confusão” (estou parafraseando porque não estou com saco de entrar na página para ler). No dia do post, o perfil fake tinha menos de 5 amigos, um deles uma das administradoras do grupo, uma moça que foi muito legal comigo no começo da minha carreira e com quem eu cheguei a conversar diversas vezes pelo Whatsapp e cujo nome está nos agradecimentos daquela primeira edição de Eu Vejo Kate, independente, lá de 2014.


Então, como lidar com gente assim?


A gente não lida.


A beleza do hater é que o barulho que ele faz só pode nos incomodar se permitirmos. Odiar desse jeito tão gratuito já é um si um atestado de fracasso.

Eu lembro de uma moça que ficou revoltada com um dos meus livros e fez críticas nonsense (ela nao gostou do uso de uma palavra entre as 94 mil do texto). Por curiosidade eu fui visitar o blog dela. O que encontrei foi um blog sem seguidores, com textos ruins, com um dos layouts mais feios que já vi. Infelizmente o autor nacional pode ser criticado, mas não pode criticar (a regra tácita e injusta do mercado editorial), mas eu fiquei me perguntando como ela reagiria se eu fizesse críticas no mesmo estilo, ao blog dela. E aí eu me lembrei da palestra da Brené Brown, que eu não canso de recomendar para artistas: “Eu só aceito críticas de quem está na arena apanhando comigo e fazendo alguma coisa.” Em outras palavras, por que vamos levar para nossas vidas o ódio de pessoas que não tiveram a coragem de fazer o que fazemos? Que não se expõem, que se escondem por trás de perfis fake (só de pensar no tempo que leva fazer um perfil assim eu já fico com preguiça), que atacam nos bastidores, que não conseguem ser felizes quando não estão colocando alguém para baixo? Sim, haters podem até nos deixar chateados por alguns momentos, mas no fundo, são pessoas dignas de pena. Depois do insulto, voltamos às nossas vidas. E eles? Acho que só resta planejar o próximo post de ódio e rezar por likes.



No publicity is bad publicity


Essa máxima do marketing não é mais verdade – hoje em dia bad publicity é BAD publicity. Se uma empresa sai da linha, ela é punida, boicotada, e pode até falir. Mas felizmente, no mercado editorial, a máxima ainda se aplica. A verdade é que a maioria das pessoas escolhe livros por curiosidade. É claro que há outros motivos: queremos ler livros de autores que gostamos, clássicos que tiveram um impacto duradouro na história da civilização, obras de temas que são importantes para nós, etc. Mas o fator curiosidade pesa na escolha do próximo a ser lido. Quando um livro tem seus haters, a curiosidade aumenta. “Como é possível que tanta gente ame esse livro, mas ele seja tão odiado por outras?”, pensam. O hater acaba fazendo mais publicidade de um livro do que ele pode imaginar. Aliás, meus livros vendem bem, mas vendem melhor ainda quando um hater sai de sua caverna de autopiedade e se manifesta. Acho que se minhas haters soubessem quanta coisa legal eu consigo comprar por causa delas, teriam uma síncope.


No final do dia, minha reflexão é que é fácil não ter haters – basta não ousar, não sair da zona de conforto, não escrever nada pesado demais, transgressor demais, sexual demais, violento demais. Eu não comecei a escrever para conseguir resenhas mornas, do tipo “é um livro legal.” Eu comecei a escrever livros pelas resenhas entusiasmadas, pelas reações “socorro, eu não consigo parar de ler!” Existe um efeito colateral – meia dúzia de haters. Vale a pena? Claro! Já foi comprovado que mulheres levam as críticas mais a sério do que homens. Eles tendem a focar no feedback positivo, nós no negativo (Escute o Que Ela Diz, Joanne Lipman). Mas com a maturidade e um pouco de experiência, a gente consegue dar um passo para trás e ver as coisas como realmente são – a quantidade de ódio que recebemos é tão pequena em relação ao amor, ao carinho dos leitores, aos elogios, às declarações entusiasmadas pela nossa obra, que esse ódio fica, verdadeiramente, insignificante. Assim como as pessoas que o sentem.

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