Em seis anos de mercado eu apanhei como o Rocky Balboa, mas hoje me sinto o próprio king of sting, Apollo Creed
Perdoem o subtítulo, mas como fã da saga Balboa/Creed, eu precisava fazer a referência e garantir a imagem:
Anteontem eu estava num ambiente que já não me assusta mais: sentada com um microfone na mão, livre para falar minhas besteiras para uma plateia desconfiada. O evento era o Santos Criativa Festival Geek, que reuniu mais de 70 mil pessoas na área do Valongo e superou expectativas. O assunto da mesa era o meu preferido: assassinos em série. E o nome era conveniente: “Serial Killers que amamos odiar”.
É comum que as pessoas abordem os autores depois de mesas assim. Boa parte das vezes eu tenho a oportunidade de escutar as palavras “sou sua fã!”, embora prefira “sou sua leitora!”. Mas isso talvez seja porque eu cresci sem ouvir elogios e eles me soam estranhos (insira aqui um suspiro e um balançar de cabeça pelo meu momento de autopiedade). Às vezes, o papo é outro. E o papo definitivamente foi outro no sábado, quando fui abordada por um simpático rapaz que me fez uma pergunta bem direta: “Como consigo me manter motivado a escrever?”
A pessoa dentro de mim pensou “Se você descobrir, me conta!”
Mas às vezes a gente precisa fazer um papel, mesmo sendo indignos dele. Aquele rapaz não queria que eu falasse que questiono minha profissão todos os dias. Ele precisava que alguém dissesse que a desmotivação é normal e que ele deveria continuar escrevendo. Não me levem a mal, não sou daquelas que fala para todo mundo: “Você é um excelente escritor e vai ser um best-seller um dia!”. O excesso de bajulação de colegas no meu mercado faz mais mal do que bem. Mas não estávamos falando de qualidade: havia um estranho na minha frente, querendo escrever. E eu não tenho o direito de desmotiva-lo.
Então conversamos. Descobri que como eu, o rapaz havia começado a escrever num período de luto e também que ele estava escrevendo o mesmo romance há três anos e não encontrava forças para terminar. Então eu o aconselhei a usar a escrita como terapia e encontrar outros escritores com quem pudesse conversar e motivar de madrugada. Foi uma conversa muito boa, mas como sempre interrompida pelas minhas necessidades maternais.
Aquilo me fez refletir sobre as coisas que eu queria dizer – e as que eu acho perigoso dizer às vezes – sobre as lições mais duras que aprendi nos últimos seis anos. E aqui estão cinco delas:
Indicar amigos para editoras é um dever. Mas você vai se arrepender.
Sempre que tive a oportunidade, recomendei amigos para editoras. Eu ainda não sou aquela pessoa que tem influência para colocar autores nas maiores editoras do país, mas sempre consegui despertar interesse de editores bons por autores bons. Isso nem sempre foi feito por mim. O mais bizarro foi descobrir que algumas das maiores indicações que tive para editores vieram de estranhos – pessoas que acompanhavam meu trabalho pelas redes sociais e nunca nem haviam conversado comigo antes. Já muitos colegas que conheciam e gostavam do meu trabalho se esqueceram de mencioná-lo para editores que procuravam pessoas com meu exato perfil. No hard feelings (aham).
O problema é que quando o anúncio é feito, você se enche de orgulho: seu amigo fechando contrato com a editora que você recomendou! (Lembrem de Ross: “my best friend and my sister”). Mas passados alguns meses, seu amigo começa a sacanear a editora e/ou vice-versa. E sim, você vai se sentir culpado.
Não existe maior atestado de incompetência do que as tretas aleatórias
Eu não fujo de brigas. Hoje em dia eu as escolho com mais sabedoria, mas como Marty McFly, ainda caio em algumas armadilhas. Como toda mulher que enfrenta alguma coisa, foi essa relutância em aceitar algumas provocações de cabeça baixa que me deu a fama de briguenta, mesmo que eu brigue muito pouco na internet, e praticamente nunca depois que saí do Facebook (glória a Deux).
Acontece que quando eu brigo, é de verdade. Já pedi desculpas quando estive errada, tento sempre dar o benefício da dúvida e evito falar das pessoas de quem eu tenho ódio, mas quando estou dentro, estou “all in”.
Algumas pessoas pegam birra de você. Isso é normal. E quando elas não conseguem sua atenção, passam a criar tretas do nada. Provocações, indiretas, coisas do tipo. E você continua a ignorar. Aí a pessoa, desesperada por atenção, pega no seu ponto fraco.
Eu sou capaz de ignorar (e ficar de boa com) um cara que não gosta de mim, mas incapaz de ignorar quando o comentário dele a meu respeito é machista. Eu sou capaz de ignorar uma escritora que cria perfis fake para negativar meus livros, mas incapaz de ignorar quando ela ataca um colega meu. Aliás, de onde essa galera tira tanto tempo livre?
O que eu percebi ao conhecer dezenas de outros escritores é que gente segura e feliz não enche o saco. Os escritores que eu conheci achando que seriam os mais arrogantes, por serem famosos, foram justamente os mais humildes e amigáveis. Os pequenos – e ruins – mostraram-se prepotentes e inevitavelmente boçais. Acredito que as pessoas hoje têm baixíssima tolerância para gente babaca, e por isso a maioria que consegue durar mais de dez anos no mercado editorial precisou desenvolver uma certa dose de humildade. Todos? Não. Mas a verdade sempre se estabelece, e cada vez mais vai ser necessário mostrar talento para manter-se relevante.
A vaidade empata todas as fodas
Todas as armadilhas do mercado editorial estão atreladas à vaidade. Todas. Aliás, eu adoraria ver um remake de “Advogado do Diabo” voltado para o mercado editorial. É por causa da vaidade que buscamos o contrato com aquela “super-editora”, é por causa dela que viramos as costas para pessoas menores, mas que realmente querem nosso bem, bajulamos os babacas e topamos coisas que não fazem sentido. E falo com experiência ampla em todas essas cagadas.
Por isso eu recomendo que antes de assinar qualquer contrato, de divulgar uma parceria, de dizer “sim” para antologias sinistras e entrar em projetos com outros autores, você pense na sua motivação número 1 para aquilo.
Eu sempre brinco com meu marido que se fosse impossível tirar fotos e contar para as pessoas, ninguém escalaria o Everest. É o famoso “he did it for the chicks”, e numa época de likes, parece que o que motiva nossas decisões é só o post que vai anuncia-las.
Então sempre se pergunte: se eu não pudesse postar sobre isso ou contar para ninguém, é uma decisão que faz sentido para meu crescimento, meu aprendizado, meu bolso, meu futuro? Garanto que em 90% das vezes a resposta será “não”.
Não se anule
Perder a si mesmo é uma tragédia, ainda mais para conseguir um contratinho que não vai te tornar rico (nem perto disso). Eu já fui criticada por falar demais, ou seja, por me expressar em relação à política e feminismo, e também por falar sobre o mercado literário. Chegou um momento chave na minha carreira em que eu sinceramente considerei parar e ser uma pessoa “neutra”, e só postar fotos com livrinhos na mão, na academia e em restaurantes. Mas gente neutra não é interessante. E se você pode se dar ao luxo de não se posicionar em relação a qualquer coisa (lá vem o meme mais real ever), você é privilegiado sim.
Quando perguntaram para Susan Sarandon se ela não tinha medo do seu jeito ativista prejudicar sua carreira, ela disse que seria mulher por muito mais tempo do que seria atriz. Eu acho que isso resume tudo. Eu vou ser sempre mulher, bissexual, mãe de três pessoas cujos futuros parecem sombrios neste país, e sempre vou me importar mais com algumas causas, como a luta contra o racismo, machismo e LGBTfobia do que com a minha carreira. Acho muito estranho alguém achar isso ruim. E se alguma editora achar isso ruim, por que vou querer publicar com ela?
Não peça desculpas pelas coisas que o mercado te obriga a fazer
O mercado nos obriga a nos divulgar. Isso significa que grande parte da rotina de um escritor é saber o que estão falando sobre seus livros e repostar as boas resenhas, os vídeos, as fotos, os elogios. Outra parte da rotina é aparecer: estar presente em eventos, sessões de autógrafos, lançamentos seus e dos seus amigos. Tirar fotos com leitores, autores, blogueiros, editores e divulga-las. Falar sobre você. Dar entrevistas. Ir à rádios, TV, aparecer em jornais. E isso eu tenho feito muito, há 6 anos. Acreditem, em muitos casos, eu preferia estar escrevendo. Mas para conquistar leitores, a divulgação é fundamental.
Vai ter gente te chamando de arrogante, metida, attention-whore, etc. inclusive pessoas que fazem a mesma coisa porque têm a mesma obrigação. Eu perdi muito tempo querendo provar a essas pessoas que eu não era assim. Não vale a pena. O olhar do outro sobre você é muitas vezes uma projeção do que não gostam neles. Essas pessoas não merecem sua energia e tempo.
Grande parte do inferno do mercado está na nossa cabeça e no ajuste que precisamos fazer das nossas expectativas. O que eu percebi é que manter-se fiel a você, ao que você escreve e seu público é a melhor maneira de manter-se são e com os pés no chão. A pessoa com objetivos claros e que consegue manter sua vaidade sob controle é aquela com menos chances de ser manipulada e tomar decisões ruins.
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