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Top Gun Maverick: o olhar crítico de uma escritora apaixonada pelo filme original


(sem spoilers)


O Top Gun original ocupa bastante espaço, não só na minha memória afetiva, mas na minha vida. Eu tinha 7 anos quando meu tio, apaixonado por aviação, me mostrou o filme, comprei a fita cassete original da trilha sonora, reassisti umas oitenta mil vezes e me casei com um cara baixinho que foi apelidado de Tom Cruise Tupiniquim pelo animador de uma festa de casamento, apelido que ele abraçou como fã dos filmes do ator. Frases do filme, como “because I was inverted”, “bullshit ten minutes, this thing will be over in two minutes”, entre outras, viraram comuns nas nossas conversas e temos boa parte dos diálogos do filme memorizados.


Recentemente, apresentamos Top Gun para nossos dois filhos mais velhos. O menino gostou, mas a Mo ficou apaixonada, provavelmente achando que a personalidade do Maverick, muito parecida com a dela, era algum tipo de aval para que ela continue agindo assim. Oficialmente, o filme estreia dia 26 de Maio – sem dúvidas é um filme para ver no cinema e a escolha de segurar seu lançamento para uma “era pós-covid” (não estamos nela ainda) foi acetada –, mas algumas sessões especiais pipocaram no cinema a partir deste dia 21. Eu sempre soube que minha família estaria numa delas.


Seria redundante falar da competência técnica desde filme. Eu não tenho expertise para afirmar que é impecável, mas desconfio que qualquer pessoa viva concordaria comigo de que o que eles conseguiram fazer beira o inacreditável. São pessoas lá dentro daqueles aviões, fazendo aquelas coisas. Aqueles atores aprenderam não só a voar, mas a fazer manobras arriscadíssimas. É impossível não pensar no trabalho da equipe que conseguiu esses shots, abrangendo câmera, som e tudo o mais. Eu fui às lágrimas e minha filha quase 30 anos mais nova do que eu soluçou em alguns momentos. Eu não estou aqui para colocar defeitos numa coisa dessas, de jeito algum. Como feminista, reconheço um esquisito exagero em alguns reviews que reclamam do formato fálico dos aviões, como se fosse possível escolher qualquer forma geométrica para um caça. Como contadora de histórias, no entanto, quero aproveitar para falar um pouco sobre oportunidades perdidas.


Eu não faria melhor, deixando bem claro. Esse é o tipo de coisa que você só vê quando está de fora, na posição cômoda e passiva de poder pegar uma coisa monumental e enxergar suas fraquezas. E talvez, se Top Gun Maverick fosse “melhor”, perdeira o charme. Tenho ciência e desejo continuar essa resenha porque acho que para escritores e roteiristas, toda história é uma ferramenta de aprendizagem. Esta é minha contribuição humilde e totalmente pessoal, longe de militância.


Pete "Maverick" Mitchell não é mimado. Ele não é um “hetero topzera tóxico”. Ele é impulsivo, competitivo e aventureiro. É dolorido quando associam essas qualidades à masculinidade, como se mulheres não pudessem ser assim. É dolorido quando um filme desses é descrito, assim como a série Reacher, como um produto para homens. Isso não é feminismo e diminui e simplifica as mulheres, como se não tivéssemos direito de gostar de ação, de explosões, de lutas. Eu não consigo entender essa imposição. E sim, eu tenho mil comentários com um viés feminista em relação ao primeiro filme - inclusive positivos em relação à personagem "Charlie", mas essa resenha não é sobre isso.


A curva de aprendizagem de Maverick fica clara ao mostrar que ele cresceu: ele tem respeito pelo Almirante Tom Kazansky, que nós conhecemos em 1986 como Iceman. Ele não gosta de machucar as pessoas, nem de colocar ninguém em perigo desnecessário. Emocionalmente, ele parece mais maduro. Por isso mesmo, me doeu ver Charlotte Blackwood riscada da história, mostrada como só mais uma das conquistas dele. Até porque faz parte do amadurecimento e da jornada do Pete Mitchell do passado o envolvimento amoroso com ela. Como ele a procura no final do filme ao ouvir a música deles no bar, como se mostra verdadeiramente envolvido por uma mulher mais sábia do que ele.


Por que Maverick não podia estar até hoje com uma mulher forte, inteligente, bem-sucedida como Charlotte Blackwood? Mostrá-lo com uma mulher “normal” seria diminuí-lo? Acreditem, não é a feminista em mim dizendo isso, é a escritora. Pensem em como Adrian complementava Rocky, deixando-o mais humano, mais real. Longe de ser uma beldade, Adrian era tímida, muitas vezes bobona, mas era uma mulher fortíssima. Imagine a saga Rocky Balboa com o protagonista casado com uma loira com lábios grossos e sugestivos, cheia de curvas e dentes perfeitos? Por mais que Jennifer Connelly seja uma ótima atriz e passe longe do estereótipo que usei acima, ela é uma mulher com a qual poucas conseguem se identificar. Se as habilidades de atuação de Connelly fossem uma desculpa para a substituição, certamente a personagem Penny (mencionada lá no comecinho do primeiro filme) teria sido melhor desenvolvida. Em vez disso, Penny foi criada de forma preguiçosa, como se alguém tivesse pensado “o filme é tão bom que ninguém se importa com essa história de amor, então vamos só colocar essas cenas aqui – com boa dose de alívio cômico – para encher linguiça”. Não consigo entender por que a atriz parece inexpressiva, quase entediada por está lá (meio como o Henrique VIII de Eric Bana em “A Outra”).


"Mas será que não foi porque a atriz não topou?" Tom Cruise lutou para colocar Val Kilmer no filme, apesar de estar muito debilitado, mas Kelly McGuillis não foi procurada. Então não.


Algumas cenas se destacam, emocionalmente, mas são aquelas com fortes spoilers, e não vou estragar a experiência de ninguém para tecer elogios onde os roteiristas acertaram no drama. Todas elas, no entanto, envolvem nossa memória afetiva e a história original, como se os novos personagens não importassem tanto. Seria tão fácil fazer aqueles jovens parecerem pessoas reais, com histórias reais, por meio de alguns diálogos, segundos a mais mostrando quem são – seja beijando um amuleto antes de entrar no avião, seja olhando uma foto, qualquer coisa. Em vez disso, não conseguimos criar vínculo com eles. Aliás, eu senti que não queria que eles morressem não porque são seres humanos, mas porque o Maverick ficaria triste. E isso é meio bizarro. Aprofundar personagem não ocupa espaço, nem ofusca a storyline principal. Exemplo? Voltamos ao Top Gun original. Quanto tempo Meg Ryan passa na tela? Ela, com poucas frases e apenas minutos de participação, consegue ser uma personagem mais real e arredondada do que a equipe inteira de Top Gun Maverick.




“Ah, não enche o saco, amei o filme, para de colocar defeito”. Mais uma vez, não é sobre isso. Eu amei o filme e quero defende-lo com todas as forças, mas quando você escreve e vive narratologia, as lacunas parecem muito maiores do que são. Mesmo assim, Top Gun Maverick é um puta filmasso que resgata a sensação de quando assistimos ao original pela primeira vez, e faz sentido que esteja sendo tão aplaudido ao final de cada sessão.


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