Eu me lembro claramente da primeira aula que dei sobre tropos no saudoso grupo VIP, mil anos atrás. Tratava-se de um grupo de estudos para escritores, no qual eu estava plantando as sementes do que viria a ser, bem mais tarde, o curso BOLD e a mentoria Pro Writer. Por mais que fossem autores calejados, muitos deles acadêmicos na área de literatura, ninguém nunca tinha ouvido esse termo.
Hoje, o povo começou a falar muito sobre tropes, mas infelizmente, fazem circular muita informação estranha. A que eu mais odeio é “tropes são clichês”. Apenas parem. Tropos não são clichês, pelo amor de Tolkien!
A diferença entre trope e clichê
Clichê- recurso de narrativa recorrente na arte, feito de maneira preguiçosa e previsível
Tropes- recurso de narrativa facilmente reconhecido pelo receptor. Praticamente um atalho para descrever situações. Ele pode ser um clichê se mal construído, claro, mas o fato de ser facilmente reconhecido não o torna ruim. Afinal de contas, é impossível contar uma história sem usar nenhum trope.
Se você ainda precisa ser convencido, eis a citação de um dos maiores portais (se não o maior) de tropes da internet, o site tvtropes:
Tropos não são a mesma coisa que clichês. Podem ser novos em folha e parecerem banais e cansativos; podem ter milhares de anos e parecerem frescos e novos. Eles não são ruins, eles não são bons; tropes são ferramentas que o criador de um trabalho artístico usa para expressar suas ideias ao público.
No meu livro, Quando os Mortos Falam (Avec, 2021), o assassino é fanático por filmes de horror. Eu uso um pouco de metalinguagem quando ele fala sobre seus tropos preferidos de filmes de terror. Um deles é o “Malvado debilitado”, aquele vilão que tem algum problema físico ou de saúde que é debilitante. Exemplos não faltam: Darth Vader, Immortan Joe, Bane, Jigsaw…
“A Carga” é outro trope interessante e muito comum em filmes de aventura e ação. Nele, um personagem é fraco e não cooperativo, e acaba se machucando quando as coisas ficam feias, fazendo com que o resto da turma tenha que carrega-lo, o que dificulta sua mobilidade e progresso para fugir do monstro ou coisa ruim que os persegue.
“Discurso final” é o tropo em que antes de morrer ou antes de ir para a batalha, alguém faz um longo discurso. O mais divertido que é esse tropo é o guarda-chuva de diversos outros, mais específicos, como “morreu no meio da frase”. Imagina aquele cara morrendo em batalha, seu amigo segurando sua mão. Depois de dizer “diga a minha mãe que eu a amo”, ele começa outra frase. “A pessoa que fez você se juntar a equipe foi...” argghh, ele morre, deixando a ideia no ar.
Como pode ver, tropos são recorrentes, mas isso não significa que você não deve usá-los. Pelo contrário: tropos podem nos dar ideias excelentes e oportunidades de surpreender o leitor. Vou dar um exemplo, na comédia, de um cara que usa os tropos para quebrar a previsibilidade, Anthony Jeselnik.
Todo mundo aqui já ouviu ou viveu aquela história de que, em outros tempos, um pai/professor/responsável ensinava uma criança a nadar da forma mais traumática possível: atirando-a na água. Veja o set-up que Jeselnik faz em um dos seus stand-ups (tradução livre):
“Meu pai era do tipo de cara que achava que você aprende as coisas fazendo, colocando a mão na massa. Um dia, quando eu era criancinha, ele me jogou na piscina”.
O que a plateia deduz? Que ele vai complementar com “para que eu aprendesse a nadar”. É aí que o comediante entrega a piada:
“Para ele aprender a fazer massagem cardíaca”.
Em outro exemplo, ele começa a piada;
“Esses dias eu derrubei meu sobrinho, deixei ele cair no chão... mas a culpa é da mãe dele. Que tipo de pessoa chamaria a mim, Anthony Jeselnik...”
(você complementa mentalmente: "para cuidar de uma criança")
“Para carregar um caixão infantil num enterro?”
Tropos podem funcionar da mesma maneira justamente por serem facilmente reconhecidos.
Você pode usar um tropo para enganar seu leitor ou criar nele expectativas, que irá subverter.
Para conhecer incontáveis tropos, com exemplos de cada um em diversas mídias, visite o site www.tvtrope.org
Para aprender mais sobre escrita criativa, visite o curso BOLD, no Hotmart.
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