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Foto do escritorCláudia Lemes

Cláudia Lemes Todos os Livros em PDF


Na primeira vez em que me falaram que meus livros estavam disponíveis para download pirata, eu chorei de ódio. Mortal. Era o trabalho de centenas de horas na madrugada, horas nas quais eu poderia estar com meus filhos, meu marido, meus amigos, lendo, dormindo, descansando... horas e horas roubadas por um site que alegava que cultura tem que ser gratuita. Isso foi em 2014. Seis anos depois, ainda dói, e ainda está acontecendo.


Mas por que é tão difícil acabar com a pirataria de livros no Brasil? Em primeiro lugar, porque a maioria das pessoas que baixam PDFs não acha que está fazendo algo “errado”, e a palavra “crime” em “pirataria é crime”, é racionalizada como exagero por parte delas. Mas é errado mesmo? É crime? Bom, vamos conversar sobre isso da maneira mais honesta possível, incluindo minhas confissões sobre pirataria.


A cultura deveria ser gratuita?


Se pensarmos em como o capitalismo funciona, é de surpreender que tanta cultura seja de fato gratuita. Há muitos eventos culturais – e aqui estou falando apenas de literatura para não sair do escopo – totalmente gratuitos; bate-papos com escritores, eventos, feiras de livros e as tão esquecidas bibliotecas, onde você pode ler... de graça!


Mas se um livro custa dinheiro (e muito) para ser fabricado, não há como o livro ser gratuito. Considerando que para um livro existir ele tem que passar pela mão de um escritor, preparador, revisor, editor, capista, diagramador, gráfico, distribuidor e livreiro... o livro que você compra por R$ 40 não é tão caro assim.


Antes de me xingar de elitista, vou fazer uma confissão: eu também não compro livros por R$ 40, salvo casos raros, porque eu também não tenho tanta grana para gastar. O que eu faço é uma lista com todos os livros que quero ler no ano. Aí eu fico de olho para encontrar livros da lista que:

1- estão na biblioteca perto da minha casa;

2- algum amigo tem para trocar ou emprestar;

3- entram no Kindle Unlimited ou;

4- entram em alguma promoção.


Caindo nessa “peneira”, eu pego o livro. É claro que compro alguns quando quero muito ler e tenho urgência, quando é de um escritor amigo ou quando está em campanha de financiamento coletivo, mas como consigo economizar muito devido ao plano acima, sempre sobra para investir nos livros certos.


"O livro no Brasil é caro... portanto, até baixarem os preços, vou piratear" - o rebelde


Esse pensamento é comum, infelizmente, e não faz sentido algum. Quanto mais livros são pirateados, menos dinheiro entra no mercado do livro. Por consequência, as editoras têm menos grana para injetar, investem em menos títulos e escritores, fazem tiragem menores e... o livro fica cada vez mais caro! Quanto mais pirataria, pior o nosso mercado.




O que você pode fazer para ajudar, fora não piratear? Comprar direto das editoras, se possível. As livrarias cobram 40% do valor de capa de um livro apenas para vende-los. Isso significa que apenas 50% serve para pagar o distribuidor, a impressão e a editora e só 10% fica com o autor (sim, a pessoa que ESCREVEU a obra!). Quando você compra direto com a editora, ou com o autor, você está destinando seu dinheiro às pessoas certas.


Além disso, ser uma voz ativa contra a pirataria sempre ajuda. Sabe aquele grupinho que compartilha os arquivos em PDF? Ele mesmo. Posicione-se contra. Se for impossível, apenas saia do grupo.


"Ah, mas quando eu gosto do livro, eu compro depois."


Hmmm. Imagina que eu entro num restaurante e peço um peixe. Eu como o bichinho até o finalzinho para decidir se gostei ou não. Depois eu decido que não me caiu bem e saio do restaurante sem pagar. A quem estou prejudicando? O dono do restaurante, que é rico? Não é bem assim. Sim, você prejudica alguém que pode se dar ao luxo de perder UM peixe. E também prejudica o garçom que te serviu, o assistente do cozinheiro, o cozinheiro, o faxineiro, o cara que vende os peixes para o restaurante, o cara que pesca.... e se você pensa que tem o direito de comer de graça, com certeza há outras pessoas como você, então o dono do restaurante não está abrindo mão de receber por um peixe, e sim centenas ou milhares, o que torna o negócio dele inviável... sim, graças a você, que reclama que peixe é caro...


Há outra falha intrínseca a esse pensamento: a arte não foi feita para te agradar. A literatura é o que ela é. Um livro é uma história que vai encontrar o público certo, que vai adorá-lo. Mas é inevitável que muita gente também não vai curtir aquela obra, seja pelo motivo que for. Muitos leitores recentes acham que o livro é um produto desenhado para agradá-los e reclamam como consumidores lesados quando não gostam de uma obra. É só olhar pelo ponto de vista de qualquer autor por cinco segundos (empatia básica) para entender que isso não faz o menor sentido. Se ele não te conhece, como vai escrever para agradá-lo? Entende como é estranho exigir que todos os livros agradem o seu gosto pessoal? Em que mundo poderia ser justo que um autor estudasse, pesquisasse, escrevesse às vezes até por anos e só recebesse por esse trabalho se ele agradasse todo mundo? Não, amigos, não é assim que a literatura funciona. E mesmo assim, hoje em dia quase todos os autores disponibilizam obras gratuitamente, seja na Amazon, blogs pessoais, sites de editoras e newsletters.


Ah, mas você nunca baixou música de graça?


Hoje em dia não é necessário piratear música, mas houve uma época em que sim, baixávamos músicas gratuitamente. Na época, eu baixava música e gravava nos CDs coloridos tão em moda nos anos 2000. Quando alguém me contou que aquilo era ilegal, eu nem imaginava. Parei na hora e desde então sempre pensei duas vezes antes de roubar a propriedade intelectual dos outros. Mesmo assim, eu sei que as bandas/artistas cujas músicas eu ouvi sem pagar ganharam milhões por outros meios, que não a venda de álbuns: shows, contratos com gravadoras, contratos com marcas, presentes (carros, roupas, estadias em hotéis, produtos, etc). O autor não tem nada disso. Quando muito, ele participa de um evento cultural patrocinado pelo governo e ganha R$ 800 de cachê, que não cobrem a diagramação do próximo livro. Portanto, essa comparação é assimétrica e preguiçosa.


Mas e o Neil Gaiman??


Como último e exausto argumento a favor da pirataria, muitas pessoas citam o Neil Gaiman, que uma vez disse que a pirataria é boa para autores, uma vez que ajuda a divulgar o trabalho deles. Complicado é alguém achar que pode comparar a vida do Neil Gaiman à vida de escritores no Brasil. O Gaiman é um homem rico, num mercado que além de poder pagar milhões a ele só de royalties, negocia os direitos de suas obras para o cinema e a TV (o que dá MUITO dinheiro). Quando você pirateira o livro do Gaiman você está errado, claro, mas as consequências para ele, seu agente e sua editora não são catastróficas.


Quando uma editora nacional investe num autor nacional (raríssimo), eles querem resultados. O autor daqui não recebe royalties antecipadas (salvo raras exceções), ele só vai receber aqueles 10% em vendas depois de 3 meses a um ano. Sendo um autor nacional num mercado pequeno (obviamente estou falando de ficção), ele terá muita sorte se a tiragem do livro for de 5 mil exemplares. Vamos supor que as livrarias e a editora consigam vender em um ano esses 5 mil (estou sendo muito otimista aqui), por R$ 40 cada (mega otimista). Vamos tirar 20% dessa tiragem para “mídia” (exemplares que a editora destina para blogs e jornalistas sem ter que pagar royalties ao autor). Parabéns, escritor. Em um ano você ganhou R$ 16.000. Lembrando que para movimentar essa quantidade de exemplares em um ano você tem que ser um PUTA escritor. Esse “salário” anual equivale a menos de R$ 1.400 por mês. Comparar com Neil Gaiman é a maior das sacanagens. E tem mais... se o autor nacional não vender bem nessa primeira experiência na editora, ele não publica mais com eles, tá? Ou seja, o fracasso de vendas pode muito bem colocar um fim à carreira dele (pelo menos de forma tradicional, pois ainda há o mercado independente), já que as outras editoras vão saber que ele não valeu a pena.


Há motivos para piratear, fora o fato de que você quer muito, muito, muito ler aquela obra e ela está “””cara””” (mais ou menos o preço de dois sanduíches)?


Não. Se você quer tanto assim que está disposto a cometer um crime, há muitas coisas que pode fazer em vez de piratear:


  • Ver se algum amigo topa emprestar o livro ou vender bem baratinho;

  • Ver se a biblioteca local tem aquele livro;

  • Esperar o livro cair no Kindle Unlimited;

  • Esperar o livro entrar em promoção;

  • Tentar encontrar o livro num sebo;

  • Pedir de Natal/aniversário/dia das mães/dia dos pais/namorados, etc;

  • Participar de sorteios;

  • Tentar conseguir o livro de forma legítima, trocando por algum serviço de divulgação dele (se você tem um blog, por exemplo).

Como vimos acima, qualquer pessoa pode encontrar “desculpas” para fazer um downloadzinho de PDF. No fundo, qualquer coisa que fazemos de errado leva a esse tipo de racionalização, esse “mas, mas, mas...” E no fundo, sendo bem honestos, sabemos que não há desculpa.

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